segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

myxomatosis

judge, jury & executioner

The mongrel cat came home
holding half a head
Proceeded to show it off
to all his new found friends
he said "i been where i liked
i slept with who i liked
she ate me up for breakfast
and screwed me in a vice

and now i don't know why
i feel so tongue-tied"

i sat in the cupboard
and wrote it down in neat
they were cheering and waving
cheering and waving
twitching and salivating like with myxomatosis
but it got edited fucked up
strangled, beaten up
used as a photo in Time magazine
buried in a burning black hole in Devon

"i don’t know why
i feel so tongue-tied

don’t know why
i feel so skinned alive."

My thoughts are misguided and a little naive
I twitch and i salivate like with myxomatosis
you should put me in a home or you should put me down
I got myxomatosis
I got myxomatosis

"now no one likes a smart arse but we all like stars"
that wasn't my intention, I did it for a reason
it must have got mixed up
strangled, beaten up
i got myxomatosis
i got myxomatosis

"i don’t know why
i feel so tongue-tied."



daqui a pouco o nome do blog muda pra cabeça de rádio, ou ode ao ladrão, amnéstico, pablinho querido, valeu pc ou sei lá.

i used to think
i used to think
that there's no future left at all
i used to think.

open up, begin again
let's go down the waterfall
think about the good times and
never look back
never look back

what would I do?
what would I do?
if I did not have you?

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

bullet proof.. i wish, i was

So pay me money and take a shot
Lead-fill the hole in me
I could burst a million bubbles
All surrogate and bullet proof

natal all by myself, com uma surpresa agradável, uma desagradável, três ligações lindas, um casamento, cerveja, red bull, piadas sem graça alguma, street spirit (fade out), umas lágrimas pra variar e não perder o lado emo nunca, skin to skin, março de 2009, dance you fucker, dance you fucker, buffalo bill, mais cerveja, fim das lágrimas, 4 da madrugada, blogspot, georgia, presságio de enjôo, sono, blusa rasgada e daqui, cama.

softly open our mouths in the cold.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

o melhor dia da minha vida se aproxima [2]


I SEE IT COMING.

que tudo se saia bem
que eu consiga ingresso pros dois
que meu coração aguente
que eu não tenha amnésia
que eles toquem let down, wolf at the door e i might be wrong, se não for pedir muito
que a mallu magalhães não estrague estando no mesmo festival
e nem o little joy
que eu não sinta vontade de fazer xixi
que não tem baderna
e que a banda sinta o amor absurdo da parte de muitos aqui
rumo a 2009 YEI!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

(Tosca Tango Orchestra - Mi otra mitad de naranja)

Sentada no sofá de sua sala, sem grandes pretensões.
Não sabia como estava a noite e nem soube como foi o dia.
Acordou no sofá e ali ficou durante o dia inteiro, não sabia que horas eram e também pouco importava.
Banheiro. Umas duas talvez quatro vezes só pra conseguir espaço pra mais líquido.
Estática. Sentada ali, em um daqueles dias que você é um bastardo, naqueles dias em que ninguém liga pra você, ninguém lembra que você existe, até mesmo você.
Garrafas. O que se via eram só garrafas.
Copos quebrados do lado esquerdo do sofá, não se sabe bem por que, afinal raiva também não tinha.
Deve ter deixado cair, a essa altura estava comfortably numb, não fazia diferença.
E só uma música se repetia e repetia, repetia tanto que os violinos entravam em sua pele, os tilintares do piano, alguns outros instrumentos que não sabia descrever.
Muda. Nenhuma palavra dita durante o dia todo, concentrava-se no nada.
Esticava-se pra alcançar uma nova garrafa de vinho, de uísque, de rum, de vodka, de tequila, do que ainda tivesse.
Tinha uma entre as pernas, o mais perto possível para não ter que se movimentar muito, estava tonta.
Os olhos quase fechando, piscava lentamente, mas não tinha sono.
Obrigava-se a não ter sono.
A vida parecia rodar em slow motion ali, o cenário e sua protagonista.
Quem olha assim, acha que está pensando, mas ela poderia jurar que não estava.
Às vezes estampavam em seu rosto algumas dúvidas:
O que estava fazendo ali, como foi parar ali.
Roupas de dormir, meias, shorts, camiseta dois números maiores, também tinha o cabelo desarrumado e um olhar indescritível – Como?
Quem tentasse definir aquele olhar definiria como olhar de quem não está ali.
Mas ela estava.
Cigarros. Havia cigarros. Cigarros de mais, pontas, muitas.
Uns maços amassados, outros inteiros... Estava absolutamente abastecida do que precisava naquele momento que não tinha idéia de quando terminaria – se é que terminaria. Sim terminaria.
E a música continuava a repetir.
Ela continuava a piscar de forma lenta, de como quem tem sono e não pode dormir, uma vontade de só fechar os olhos... Mas ela não fechava, olhava e olhava, pro nada.
No auge daquilo que se ouvia repetidamente (um tango?) ela, acabando com toda paz daquilo ali, moveu-se bruscamente.
Levantou-se sem bambear e foi até a cozinha (agora sim tendo certa dificuldade em caminhar).
Pegou uma faca, uma tesoura, um garfo, um saca-rolha e uma sacola plástica.
Foi até a lavanderia e numa pequena caixa pegou um ponteiro, um martelo, uma pequena serra, pregos, tachas...
Em seu quarto pegou toda sua coleção de isqueiros, seus perfumes, mais uma tesoura, um estilete, um compasso, uma prancheta, um peso de papel, uma gilete, seus remédios pra dor de cabeça, pra cólicas, pra ressaca, pro estômago, pra dormir e aqueles especiais pra não dormir.
Tinha tudo isso nas mãos, apertados contra o peito pra não deixar nada cair.
Voltou pra sala, cambaleando, com a visão turva... Chutou todas as garrafas da mesa, líquidos derramavam sobre o tapete formando enormes poças coloridas, poças daquilo que até ali tinha sido só o que ela tinha.
Jogou todos os objetos sobre a mesa – ainda foi até a estante e pegou os copos mais bonitos, um canivete, um pedaço de barbante, arrancou os fios que via pela frente, pegou tudo.
Todas as coisas que cortavam, furavam, drogavam, queimavam, sufocavam e esmagavam...
Amarrou os cabelos, esfregou o rosto com as mãos, acendeu um cigarro e pegou o uísque.
E olhou.
Respirava sem pressa.
Apertava com força a garrafa na mão esquerda, as poças refletiam a a pequena e única coisa que fazia luz, o cigarro.
Olhou por minutos – agonizantes esses – praqueles objetos todos em cima de sua mesa.
Olhou pro seu corpo, pra suas mãos... Fechou os olhos, inclinou a cabeça pra trás, até encostar no sofá.
Ficou algum tempo assim, sentindo seus sentidos voltarem ao normal.
Sentindo-se viva, perigosamente viva, sentia seu coração bater apertado dentro do peito, ela queria alguma coisa, alguma coisa que não sabia decifrar, um desejo mórbido, uma vontade obscena por aquilo que estava ao seu alcance.
Levantou a cabeça, sentiu os violinos cortarem a sua pele, o piano cravando suas notas em seus membros, os graves do baixo descendo misturado ao uísque na sua garganta castigada pela bebida.
Sentia o gosto da morte.
Fechou os olhos novamente e última coisa que se ouviu foi a última nota do piano, a última coisa que se sentiu foi o desejo descendo pela garganta, o coração batia lento e a última coisa que se viu foi uma lágrima e seu corpo deitando triste sobre o sofá.

domingo, 21 de setembro de 2008

Nick Drake - Time Has Told Me

Time has told me
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.

And time has told me
Not to ask for more
Someday our ocean
Will find its shore.

So I'll leave the ways that are making me be
What I really don't want to be
Leave the ways that are making me love
What I really don't want to love.

Time has told me
You came with the dawn
A soul with no footprint
A rose with no thorn.

Your tears they tell me
There's really no way
Of ending your troubles
With things you can say.

And time will tell you
To stay by my side
To keep on trying
'til there's no more to hide.

So leave the ways that are making you be
What you really don't want to be
Leave the ways that are making you love
What you really don't want to love.

Time has told me
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.

And time has told me
Not to ask for more
For some day our ocean
Will find its shore.



Música da vida, essa semana.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

love in afternoon



ontem nós assistimos friends juntas, ela, como sempre deitada entre minhas pernas/em cima da minha barriga, tão linda, com os olhos gigantes e pretos, muito pretos, do jeito que ficavam depois das seis, sabe?
quando ela deitava sempre pedia carinho na orelha, entre a orelha e o pescoço, e depois de poucos minutos mexendo ali, ela dormia.
foi minha gata mais minha.
8 meses de vida, a vidinha cruelmente interrompida devido à crueldade de alguns.
foi salva da primeira vez, mas não consegui salvar da segunda.
que ela esteja em paz e livre dessa coisa que chamam de humanos.

'nós gatos já nascemos pobres
porém, já nascemos livres...'

só que ela se foi cedo demais.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

sem paciência pra títulos

"Se ao menos dessa revolta, dessa angústia, saísse alguma coisa que prestasse."

da angústia e da revolta dele saiu minha vida detalhadíssima e umas frases aqui e ali, só pra não enlouquecer.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

that's life

“That's what all the people say
You're ridin' high in April, shot down in May
But I know I'm gonna change that tune…
When I'm back on top, back on top in June”

Acho que vou seguir as dicas de Sócrates, me purificar (?)

“Mergulhados em preocupações com a aparência e o consumo, pensamos estar cuidando de nós mesmos, quando na verdade estamos nos perdendo em meio às coisas. É preciso conhecer a si mesmo para não perder-se. Claro que você não vai encontrar toda verdade em si mesmo, mas, pelo menos, a única verdade capaz de salvá-lo.”

Ok, tem gente que diz que filosofia é quase igual à auto-ajuda, mas é mais digno, então vou aposentar minha coleção do Osho.

Primeira meta pra 2009:
Praticar Tantra.
Não é por Sócrates, nem pelo sexo* ou por escapismo... É só porque decidi me pôr em manutenção (odeio falar isso porque soa como coisa de micareteira que toma chifre), auto conhecimento, here we come.


*Por sexo talvez seja, beijos.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

200 metros com barreiras

Queria falar sobre a conspiração do universo.
Conspiração do universo, de Deus, de quem é responsável pelos sonhos ou de quem mora na minha cabeça mesmo.
Esses dias tomei uma decisão corajosíssima se tratando de mim.
E um sonho daqueles de agosto, não os ruins, porque desses eu tenho o ano todo, com seus augúrios e premonições, normal.
Mas sim os bons, os malditos sonhos bons, que te deixam por dias e dias com a tal vontade impossível de morar neles, até esquecer.
Então, um sonho bom de agosto desmoronou meus planos ou minha simples vontade de renovar.
Essas coisas nos abalam por ora, talvez só pra provar que nós não somos tão fortes quanto pensamos ou gostaríamos de ser.

Não fazer nada, lembrar de coisas que não devo, esquecer que o futuro bate à porta todos os dias são coisas muito fáceis e muito boas.
Vou resistir às tentações que são esfregadas na minha cara todos os dias, afinal, de boas intenções o inferno tá cheio.

“We both know what memories can bring
They bring diamonds and rust…”

I’ll take the diamonds.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

2.0

Em transição.
Mudando as cores, os sons...
Gastando minhas noites com coisas mais importantes do que assistir TV ou desejar o que não tenho. Óbvio, porque se tivesse não desejaria.
Mudando os hábitos, as dimensões e os vícios.
Aliás, me livrando, infelizmente, de uma parte bem menor do que gostaria.
Criei até uma meta de vida: Chegar aos 45 do mesmo jeito que a Jennifer Beals chegou.
Resumo: fase águia.
Arrancando minhas penas e minhas unhas com o meu bico, destruindo o mesmo batendo-o na parede pra ver se me renovo e vivo mais 17 anos sem grandes traumas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

duas menininhas

-Sabe aquela minha prima, a Julia?
-A que tem cabelo loiro?
-É!
-A que não tem acento no nome?
-É! Ju-lía hahaha...
Ela é muito safada, tudo que eu gosto ela gosta também... Tipo, se eu gosto de... Assistir filme de terror! Ela assiste também.
...
Só tem uma coisa que ela gosta que eu não gosto (?)
Vitamina de abacate.

Lovekids.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

para atravessar agosto

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro - e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data.
Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos.
São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições.
Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade.
Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon.
Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará.
Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.
Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo.
Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos - ou precauções-úteis a todos.

O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade...Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas - coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.
Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:.

Caio Fernando Abreu.


Cada sugestão anotada, principalmente a do amor e a dos sonhos.

me-ism

Uma noite como qualquer outra.
Besta e escura, nem dava pra servir de inspiração como aquelas noites bárbaras com coisas acontecendo, sabe?
Luzes, placas de carro com 666, por exemplo, pessoas brotando, morrendo ou te parando na rua, nada disso.
Meus dias não servem de inspiração pra nadinha.
São todos iguais, entediantes.
Sou alguém (há controvérsias) atípico comparado às pessoas da atualidade, todos arrumadinhos e universitariozinhos com seus empregos SUPER satisfatórios, óculos ray ban e blusinhas ‘please don’t stop the music’,namoradinhas and namoradinhos descolados...
Sou feiamente normal, se for presa vão me currar porque não fiz faculdade, meu emprego é tão ridículo que nem merece ser citado, meu apartamento é tão feio que não é digno de visitas, minha única virtude é saber cozinhar, cozinhar pra mim, óbvio, bebo igual a uma filha da puta condenada, fumo do mesmo jeito...
Nada me interessa, de década em década alguém sóbrio me convida pra alguma coisa, e eu sempre digo não.
Mas às vezes eu saio pra ver uns amigos, sabe?
Pra não perder o costume, pra não esquecê-los e ser esquecida, odeio ser esquecida.
Quase sempre é uma bosta, a Elis sempre pergunta ‘o que você tanto faz que quase nunca nos vê?’ E dá uma risadinha daquelas forçadas, e eu respondo com uma igual.
O João sempre diz ‘e a vida?’ E eu sempre digo: que vida?
E nós rimos como se fosse engraçado, pedimos algumas cervejas, eles falam de suas vidas e nós esperamos ansiosamente pra que um de nós diga ‘tenho que ir’.
Às vezes eu também fico aqui parada, como fiquei naquela noite, olhando o telefone, esperando tocar, ligando e desligando a tv só pra haver algum tipo de movimento na sala.
E o resumo da minha vida ficava incomodando dentro da minha cabeça, e eu fui ficando com medo, com sei lá, peguei o telefone e liguei pra alguém..

-Tô te ligando porque minha internet não funciona, minha bebida acabou de acabar, o cigarro ainda tem, mas é, te liguei porque não tenho nada melhor pra fazer e...
-Eu esperava ouvir pelo menos uma desculpa falsa do tipo “te liguei pra saber as novidades”, mas como sempre, com você a gente só espera.
-Ainda bem. Por que esperou eu falar tanto?
-É mania. Eu gosto de ouvir recados, ouvir até o fim e deixar o povo achando que não tô nem aí, uma semana depois eu ligo e digo “queria falar comigo?”
-Típico. Mas por que me atendeu então?
-Em anos de amizade, as duas únicas vezes que você me ligou foi pra dizer que sua mãe morreu e a outra dizendo que ia casar, é sempre surpreendente você ligando.
-Só liguei porque não tinha nada melhor pra fazer.
-Você sempre tem algo melhor a fazer, a bebida acabou, sua internet tá ruim, mas provavelmente sua TV funciona e você ainda pode se masturbar, por exemplo...
-A TV não me interessa e já bati uma hoje, não foi bom.
-Tá. Vai dizendo... Tô traduzindo umas coisas, tô sem muito tempo, mentira. O que aconteceu, tá acontecendo ou vai acontecer?
-Me separei.
-Já?
-E agora eu tô com medo.
-Medo depois da separação, quanta informação.
-É medo de ficar só.
-Medo da solidão, babe?
-Pode ser. Isso se deu quando ela me deixou.
-Você não sabe o que é a solidão, mas foi ela que te deixou? Agora sim você me chocou.
-Esperava que eu a deixasse?
-Sinceramente? Sim.
-Acertou, veadinho.
-Hahaha. Sabia!
-Na verdade, eu só falei. Era uma coisa que nós duas esperávamos que acontecesse, mas nenhuma tinha coragem.
-Também não tenho coragem de me desfazer da minha poltrona velha.
-Tá. Lembra quando você disse que minha inconseqüência me assombraria pro resto da minha vida?
-Claro, a maior notícia que já dei pra alguém. Mas eu também lembro que você encheu a boca e disse ‘não me venha com seu mingau ralo de suposições, tô cagando pra isso.’
-Pode parecer absurdo o que eu vou dizer agora, embora a verdade seja exatamente este mesmo absurdo: eu menti.
-Mentir não é absurdo. Você acha que enganou quem? Algumas coisas nos perturbam até nos matar ou enlouquecer.
-Now i know how Joan of’arc felt, né?
-Vamos lá, pode começar a falar porque hoje eu tô cheio dos conselhos, inspiradíssimo.
-Todas as noites quando deito pra dormir, coisas terríveis passam pela minha cabeça.
-Me assustaria se passasse conto de fada.
-Às vezes eu acho que não devia ter casado, me separado, saído de perto da minha mãe, que devia ter feito faculdade, que não devia ter me afastado de todo mundo, ai.
-Às vezes eu também acho tudo isso aí. Quer falar da separação?
-Já faz quase um ano.
-Calma aí, já faz quase um ano e só agora bateu o medo que medo da solidão? E pior: Só agora me ligou?
-É. Achei que seria antiético te ligar pra falar do casamento e ligar pra falar da separação.
-Me poupe, você não é do tipo que liga pra falar que tá feliz. É a personificação do drama, do ditado ‘só procura quando precisa’.
-O que te faz pensar que preciso de você?
-Você me ligou pra falar de medinhos humanos, tenho vários motivos pra pensar que você precisa de mim.
-Filho da puta.
-Mas então, esse medo é de agora ou desde a separação?
-No começo eu achei que ia passar, sabe? Mas aí o tempo passou e não passou.
-Só você ainda acredita que o tempo é o melhor remédio.
-Eu acredito em muitas coisas agora.
-Tá vendo como não seria justo não te atender. Agora fala da separação.
-Eu tava pirando, ela tava pirando... When routine bites hard, and ambitions are low, sabe?
-Sing me something new!
-É sério. A gente não se agüentava, ou era isso ou o hospício mais próximo.
-Vocês se gostavam tanto. É deprimente ver uma coisa tão viva acabar nisso, casar devia ser proibido, sabe? Essa coisa de dividir tudo, até as loucuras e os cagaços pessoais assusta só de falar.
-É. A gente separou justamente por isso, ela chegou no meu âmago e eu no dela, aí boom. No final nós parecíamos aqueles casais que se apóiam nos filhos, sabe?
Ela dizia ‘vamos conversar’ e eu tirava a roupa.
-Hahaha! Pelo menos vocês transavam...
-É.
-Vocês exalavam libido, era lindo.
-A gente pode mudar de assunto?
-Não. Vocês ainda se falam?
-Sim.
-Se vêem?
-De vez em quando. E sim a gente trepa.
-Uh lá lá, e ainda é bom?
-Bom era antes, agora é incrível.
-Conta mais, adoro uma safadeza essa hora.
-Não tem nada safado pra contar, é sexo normal, ela me come, às vezes eu como ela e pronto, ela vai embora, mas ainda assim é incrível.
-Incrível? Vocês não dormem durante? Só de saber já fiquei entediado.
-Eu não sei nem por que a gente transa, é estranho, acho que nossos corpos são velhos conhecidos, fica mais fácil.
-Dur, agora a gente pode mudar assunto. Me fala dos seus medos, da solidão...
-Depois dela que eu fiquei assim. Ela veio, usou sua mágica, fez o que queria, até me fez pensar que eu podia sim ser feliz e não sentir como se tivesse um buraco no peito e foi embora. Fez o favor de acabar com a minha solidão e foi embora. Descobriu que por trás do meu bom português e da minha boa educação, existe um monstro e se assustou.
-Você esperava o quê?
-Que ela entendesse.
-As pessoas não entendem nada. Ou quase nada, dá no mesmo. Mas enfim, o ponto é: a gente só devia se meter onde entende.
-Não seria chato?
-Eu prefiro algo chato a algo inseguro.
-Eu não sei o que eu prefiro. As coisas chatas são uma chatice, e é da natureza humana fazer o que não entende.
-Será que é mesmo?
-Eu acho que é. Sei lá, as pessoas votam, não votam?
-E assistem filmes do David Lynch. Mas falando sério, eu acho que quando é com sentimentos as coisas pioram, as tentativas de entender.
-Tudo piora.
-Ninguém entende, como eu disse. As pessoas entendem tipo ‘entendo...’ mas entender corações, almas e monstros não é fácil.
-Ela também tinha um monstro. E eu entendi.
-Você entendeu porque queria que ela entendesse o seu, mas não foi isso que aconteceu.
-Não. Eu entendi porque amava ela, amava até os monstros, os medos, os choros, os canudos, tudo.
-Gente.
-Pois é, meu bem... Quem diria?
-Tô pasmo, mas onde é que você quer chegar? Na parte ‘me arrependi de ter separado’, é isso?
-Era necessário, não me arrependo. Me arrependo é de ter feito tudo errado no começo.
-Entendi.
-Eu odeio minhas decisões, elas sempre me soam tão impensadas, mesmo eu pensando um monte, sabe?
-Nesse caso, não foram ‘suas’ decisões, né?
-É. Mas ela sempre soube o que queria, eu não. Eu ainda sou muito insegura em relação às minhas decisões, me arrependo quando não devo e quando devo, não me arrependo.
-Ainda não aprendeu? Arrepender-se é cair no abismo.
-Você acha que eu vivo em quê?
-O que aconteceu com todo seu discurso de liberdade interior?
-Eu bem que tentei, mas fui deixando algumas características pelas calçadas.
-Voltaire disse: “Deus fez do arrependimento a virtude dos mortais”
Quintana disse: “Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.” Entendeu?
-Não.
-Você e metade da população mundial precisa se livrar da maldita herança de se arrepender daquilo que faz. Come on, vamos nos arrepender do que não fazemos e já tá ótimo.
De que adianta se arrepender do que já foi? É um ciclo vicioso: Você se arrepende, depois vai matando sua alma aos poucos, se arrependendo de ter se arrependido.
Você quer ser livre, mas sua vontade de seguir os padrões divinos te impede.
-Eu não sei o que eu quero.
-Eu sei que você não sabe, mas você quer alguma coisa, certo?
-Sempre.
-Basta.
-Basta?
-Aham. Morram todos que se conformam com o que têm ou o que podem ter.
-Eu me conformo com o que eu posso ter.
-Azar. Eu quero tudo, e ainda acho pouco. O mundo tem limites, eu não.
-Eu só queria ser feliz.
-Faz-me rir.
-Sempre fui egoísta, quero que o mundo se exploda por causa do petróleo, que as pessoas comam dinheiro, foda-se a paz mundial, só quero a minha paz, o meu dinheiro e nem quero petróleo.
-Você ainda lê Caio.
-É a única coisa maravilhosa que eu faço.
-Então, onde é que você errou?
-Ótima pergunta. Não sei.
-Sabe sim
-Errei quando eu disse que era suficiente, que não precisava do amor dela...
-Isso não acaba com nada!
-Acaba sim.
-Eu acho que você acabou com tudo quando disse que amava ela.
-Que?
-Vamos encarar os fatos: você é uma putinha com discurso bem ensaiado de ‘não amo ninguém’, descobrir que aí dentro bate um coração assusta.
-Nunca tinha pensado nisso...
-É, vai ver foi esse monstro carente-me-ame-de-uma-vez que assustou.
-Eu sou duas pessoas, três, quatro...
-Você é o que a situação exige, amor.
-É. Eu queria ter sido eu o tempo todo com ela...
-Quem é você? Mas ok, cheque mate, chegamos ao ponto
-Sim.
-Você é a rainha do se, meu bem.
-Tudo na minha vida quase deu certo, quase aconteceu, ‘se’ eu fizesse isso, ou ‘se’ eu não fizesse aquilo...
-A rainha do se, vivendo a vida do quase. Nossa, daria um filme!
-Um filme noir.
-É. Docinho, a conversa tá ótima, mas eu preciso voltar a trabalhar.
-Obrigada por me ouvir.
-Você me pegou num dia muito bom.
-Sabe, eu falei falei e falei e nem sei como você tá.
-Deixa a conversa descontraída e normal pra quando tivermos uns sessenta anos.
-Se eu te convidasse pra vir aqui seria muito estranho.
-Seria.
-Sei lá. Vem qualquer dia aqui, tô em casa sempre depois das seis, vem ver minha cara socada pela vida.
-Eu vou. Quero te pegar de calcinha varrendo a casa e fazendo macarrão, que tal?
-O máximo que vai conseguir ver são meus peitos através da camisa molhada de vômito.
-Tá valendo, apesar de nojento.
-Um beijo.
-Mil beijos, Maria louca.

E foi assim o fim da conversa que fez da minha noite um pouco menos solitária, aí eu liguei e desliguei a TV, a cat power cantou pra mim enquanto eu fui comprar mais bebida, aí eu vi pessoas brotando, luzes, carros e percebi que às vezes nas noites de frio é melhor nascer sim, pode ser bom, é uma questão de atenção.

domingo, 29 de junho de 2008

a walk on the wild side/jack daniel's

“Quartas sempre são assim... Às vezes por volta das duas chega alguém, alguém bêbado e fedendo, pra pedir mais cachaça.

Mas não posso reclamar, às sextas que as coisas ficam boas...”.

Não entendia porque exatamente ficava ali, conversando com o dono do bar, mas era o que tinha pra fazer, além de beber.

-Quanto é que tá dando?

“Nada que você não possa pagar, guria”

Acenei com a cabeça e dei um sorrisinho.

Comecei a reparar o bar, era aconchegante, escuro, velho e cheirava bem, apesar dos pesares.

Havia mesas no fundo, onde também havia uma foto enorme do John Lennon, e ao lado, uma Vênus de Millo muito bem feita, era charmoso. Tinha um monte de coisas que eu não conseguia identificar, mas davam um toque bonito.

“Sabe, guria, este bar é o mais velho de Porto Alegre, quando cheguei aqui era tudo diferente, cheguei aqui quando o Hugo Boss fazia roupa pra operários...”

O velho era inteligente, sabia quem era Hugo boss, pelo menos.

Eu só acenava com a cabeça.

“Quer me falar de você, filha?”

Num ímpeto, quase disse sim, mas depois consegui dizer “não”.

O velho respirou fundo e disse: “Já entendi, veio aqui pra beber e provavelmente esquecer alguma coisa, e este velho solitário está a te incomodar, não é?”

Ele estava certo, eu ri porque não podia concordar, era deseducado.

Fiz sinal com a mão pra descer mais uma dose, é claro que eu tô afim, o uísque descia quente no copo, e depois na minha garganta.

Interrompendo um silêncio de muitos minutos, eu disse:

-Tu podes pôr uma música?

“Bah, mas claro! O que tu ouve?”

-Qualquer coisa...

O velho levantou e foi até uma pilha de discos perto da Vênus, e tirou um velho conhecido.

“Vicious, you hit me with a flower…”

O maldito havia acertado de novo, a noite pedia Lou Reed, só soube disso quando começou.

“Guria, tu curte uma marijuana?”

Eu já estava meio bêbada, assumi que sim.

“Tenho uma boa aí, se tu quiser, é só avisar.”

Apesar de falastrão, o velho era simpático.

“E nem te preocupe com os porcos, eles me acham moralista, Hahaha!”

Dei uma risada junto com ele, estava realmente bêbada.

Beirava meia-noite, era tudo muito parado, exceto pela música.

Agora era... Não me lembro... Andy’s Chest?, eu acho que sim.

-Como o senhor se chama?

“Eu me chamo Érico”

-Eu sou Júlia, desculpe a falta de educação.

“Mas que nada, os diálogos só se desenvolvem quando a bebida entra”

-O Senhor é sábio.

Foi a vez dele de acenar, como se fosse um agradecimento.

“Não quer mesmo falar de você? Teu semblante é de gente interessante.”

-Eu sou tão interessante quanto um copo de água.

“Eu gosto de água”

-Ok, o senhor quer saber o quê?

“O que tu quiser me contar, sou bom ouvinte”

-Vejamos... Estou vindo de Londrina, uma longuíssima viagem, vim única e exclusivamente pra ver uma pessoa e essa pessoa estava embaixo de outra pessoa quando cheguei e.

“Calminha, vamos por partes... Usemos nomes”

-Sexos?

“Certo, vale.”

-So, eu vim ver minha namorada, ou ex namorada, sei lá.

E a filha da puta estava com um cara.

“O que te incomoda é a traição ou o que a pessoa tinha no meio das pernas?”

-Vai além disso, seu Érico.

“Como?”

-A gente se gostava muito. Na verdade, eu tinha um amor muito grande por ela, coisa de cinema.

“Não tem mais?”

-Eu tenho, mas nesse momento eu não quero ter.

“Ela sabia que tu vinha?”

-Sabia.

“Calculou errado né...”

-É. Aposto. É bem a cara dela, errar até na hora de calcular o tempo em que eu iria chegar, com o tempo de dar umazinha com um pau, pra variar.

“Você faz a situação parecer engraçada.”

-Desvio de dor.

“Então, vocês se falaram depois disso?”

-E precisa falar? Eu só saí.

“E como vai ficar agora? Perdoa as perguntas...”

-Sei lá. Não quero vê-la, pelo menos por enquanto.

“Bah, mas vocês precisam conversar”

-Precisamos?

“Sim. Não foi justo com você, e nem foi justo com ela”

-Não foi justo com ela o que, meu deus?

“Você não falou nada, é horrível. Imagina, guria.”

-Tomara que seja mesmo horrível.

“Eu entendo sua dor, mas vocês precisam conversar, ao menos pra ter um fim.”

-Ela não merece um fim.

“Tudo bem, vai mais uma?”

Era bom me abrir com alguém. Com desconhecidos é sempre um pouco melhor.

Tocava “Walk On The Wild Side”, eu fazia air guitars, ou air basses, e ele achava graça.

-Me fala de ti também.

“Eu sou só um velho, minha querida”

-Já levou um chifre?

“Mas é claro! Quem nunca levou?”

-Eu nunca tinha levado.

“A primeira vez é a pior, fica tranqüila, já passou.”

-Ainda nem começou.

“Amar é sofrer, minha querida, por isso só amo esta vida e o pouco que ainda posso ter dela”

-E as mulheres?

“Estou muito velho pra elas, agora só quero conversas e umas músicas.”

-Sabe, eu não quero deixar de fazer sexo quando tiver mais de cinqüenta.

“É difícil, vou lhe avisando. Ninguém quer genitálias flácidas...”

-E se eu casar?

“Ninguém quer mesmo assim, mas tu pensa nisso?”

-Quem não pensa?

“Deus a livre, guria. Casar é dar adeus à vida.”

-Nossa.

“Você deixa de viver, casado ou separado. Separado ainda é pior.”

-Vejo que alguém tem uma extensa experiência no assunto, não é?

“Eu tive meus momentos”

Parei por alguns segundos, enquanto ele ia até a prateleira pegar mais uma garrafa.

Umas lágrimas apareciam nos meus olhos, a bebida não perdoa.

-Por que ela fez isso comigo?

Ele me olhou com um olhar de “continua”

Sabe, seu Érico, não sou má pessoa, levanto do banco do ônibus pros velhinhos sentarem, dou bom dia pra quem não conheço, e acho que até fui uma boa namorada pra ela.

Faltei várias vezes meu trabalho pra estar com ela, tranquei faculdade, ligava sempre, escrevia quando dava, isso foi muito injusto.

“Sabe, Júlia – Posso te chamar assim?”

-É meu nome.

“Então, imagina aqui comigo: Quantas pessoas bacanas como você existem?”

-Sei lá. Muitas?

“Sim, muitas. Agora imagina: Se ser legal, atenciosa e sensível fosse requisito pra ter sucesso no amor, muita gente teria conseguido, não é?”

-É.

“Leia “Crônica do amor” do Arnaldo Jabour, ele fala disso. A gente ama os cafajestes, os cretinos, os que fodem com nosso coração, amar os sinceros, os igualmente atenciosos, os bonitos e não-fumantes é clichê de mais.”

-Eu errei quando disse que o senhor era sábio. O senhor é muito sábio...

“Eu leio muito”

Ficamos em silêncio novamente, e o Lou cantava: “Oh, It’s a lonely Saturday night...”

-Ia ficar perfeito se fosse Thursday night.

“É. Tu não acha que tá na hora de parar?”

-O quê?

“De beber.”

-Não.

“Ela não merece um fim, mas merece que tu encha a cara?”

-Não estou bebendo por ela.

“Tá bebendo por que então?”

Fiquei em silêncio, ele tinha razão.

-Ok, quanto lhe devo?

“Nada.”

-Hein? Eu tomei quatro garrafas do teu uísque mais caro.

“Hoje é quarta-feira, e eu tive sorte de tu não ser um bêbado fedido.”

-Justamente por isso, devo pagar

“Guria, guarda teu dinheiro. Meu pagamento é tu pedir um táxi e me deixar dizer pro motorista te levar pra um hotel seguro, pra você dormir.”

-Eu te dou um prejuízo e tu ainda se preocupa?

“Você já passou por coisas de mais hoje”

-É.

Levantei com um pouco de dificuldade, esbarrando no apoio, nos copos... Ele logo correu pra frente do bar e pegou no meu braço, fomos andando até a porta, beirava uma e meia.

“Agora tu me espera sentada aqui, vou ligar pro táxi”

Sentei na mesa próxima a porta, enquanto o velho telefonava.

Eu enxergava pouco, minha visão estava turva.

Ele voltou, tinha um olhar calmo e mãos ásperas.

“Pronto, ele chega já”

-Obrigada.

O disco estava no repeat, quando tocou a terceira música de novo, o táxi buzinou, estávamos em silêncio.

“Perfect Day”, que ironia.

“Vamos lá, guria, deixa pra dormir no hotel!”

Entrei no carro, não lembro nem como, e ele falou o que disse que falaria pro motorista, voltou-se pra mim e:

“Tu tá vendo essa noite? Esse céu? Interprete tudo como um sinal: Ela não merecia olhar este céu contigo agora”.

Na hora não liguei, devo ter sorrido, não sei.

Depois daquela noite voltei pra Londrina, depois Ponta Grossa, e estou lembrando das palavras dele, e do céu daquela noite...

A vida está lá fora esperando uma chance, sim.


quinta-feira, 22 de maio de 2008

rainy day woman

-Isso é tudo?
-Acho que sim, se não for, com certeza darei falta aí aviso pra vir buscar.
-O Hélio fica comigo?
-Pode ficar. Os primeiros dias serão difíceis pra mim, é melhor assim.
-Você não vai sentir falta?
-Gatinho tem um monte na rua, pedindo um lar com aquelas carinhas, eu consigo um.
-Não tô falando do gato.
-É. Eu disse que os primeiros dias serão difíceis...
-Eu vou sentir muito a sua falta.
-É justo. Eu também vou sentir a sua, vou lembrar incessantemente dos nossos momentos, encher a cara, talvez até chorar, mas depois passa, não é?
-Eu torço pra que sim.
-Eu não queria que tivesse um fim, eu te dizia no começo que queria ficar velhinha com você, mas...
-Não era pra ser.
-Eu não acredito em destino. As coisas mudaram, nós mudamos, e os meios justificaram os fins.
-O que mudou, exatamente?
-Não sei lhe dizer.
-Se pudesse, teria evitado?
-Acho que sim. Mas é tarde pra os famosos “e se...”.
-É.
-Começou a chover, e eu não vou de carro, você se importa se eu dormir aqui hoje?
-Você vai dormir comigo?
-Não. Eu fico pelo sofá mesmo...
-Então eu me importo sim.
-Nós já conversamos, não é? Não faz sentido continuar.
-Por que tem que fazer sentido? Eu gosto de você, e você gosta de mim, isso devia bastar.
-Mas não basta.
-Ou é você que complica?
-Se alguém complica aqui, certamente esse alguém não sou eu. E desde o começo eu lhe disse que gostar não basta.
-Eu não consigo entender isso.
-É. Você não entende que não gosta de mim, você gosta do que eu te faço sentir. Eu sou só o um corpo que te faz bem, isso qualquer outra pessoa pode fazer.
-Não desse jeito.
-Eu achei que o assunto estivesse encerrado.
-Não acabou pra mim.
-O assunto?
-Nós.
-Você só vai se ferir com isso.
-Já estou ferida, não tem como piorar.
-Sempre pode piorar, meu bem, ainda não aprendeu?
-Eu não vou saber levar a vida sem você.
-Deixa de drama barato, claro que vai. Sua vida vai ser como era antes, simples assim.
-Como era antes?
...

-Nós já estávamos afastadas antes disso acontecer, havia um presságio.
-Eu não me atentei a isso.
-Talvez este seja o ponto: Nunca estivemos atentas, logo, nos perdemos.
-Eu nunca te perdi porque você nunca foi minha.
-Eu quis ser sua...
-Mas nunca foi, de alguma forma eu sabia que você seria um curto capítulo na minha vida.
-Um verão?
-É, um verão.
-Eu sinto muito.
-Você não sente...
-Essa é a parte onde você me culpa de novo?
-Não, essa é a parte que eu te peço pra ficar.
-Eu só teria minha agonia pra te oferecer.
-Essa é a parte que começa a música triste?
-É a parte que você levanta, apaga as luzes e sai.
-Você me dá notícias?
-Todos os dias.
-Não, uma vez por semana, pra não ficar duro de mais.
-Tá bom. Mais uma coisa: Encontra alguém que te mereça.
-Eu vou tentar, primeiro eu preciso passar pelo processo de te odiar, depois te compreender, e aí enfim, esquecer.
-Brigada.
-Vai ser difícil te esquecer.
-Você não precisa me esquecer.
-Não, eu não quero nada seu aqui e nem aqui, quero ficar de coração limpo pra tentar seguir.
-É justo, mas eu não vou conseguir te esquecer.
-Ótimo. Saber que você vai sofrer pelo menos um pouco me deixa... Melhor.
-Eu não sabia que você era má assim...
-A gente nunca conhece tudo que tem pra conhecer em alguém...
-É verdade. Tá tarde, vai dormir vai...
-Vou lembrar de você na primavera.
-Vou lembrar de você toda merda de vez que deitar a cabeça no travesseiro.
-Vai lembrar muito de mim então.
-É, vou lembrar dos nossos momentos, ficar triste, encher a cara e talvez até chorar.

Los Hermanos - Sentimental

domingo, 11 de maio de 2008

acalanto

-Alô.
-Alô, sou eu.
-Eu sei. Tudo bem?
-Tudo, e você?
-Cansada e só.
-Mesmo?
-Uhum.
-Nós precisamos conversar...
-Precisamos?
-Sim.
-Ok! Precisamos, diga.
-...
-Alô?
-Ok, vou direto ao assunto.
-Pois vá.
-Sonhei com você, três vezes na mesma noite...
-Ligou só pra me dizer? Que bonitinho.
-É.
-Como foi?
-Foram ruins.
-Ruins como?
-Não, prefiro não falar.
-Por quê?
-Porque eu prefiro não falar.
-Sem grosserias, tá bom?
-Não há grosserias, você não me deixa falar.
-Mas você já não falou?
Ligou pra dizer que me sonhou, e ponto.
Ou vírgula?
-Eu preciso te falar umas verdades...
-Como assim “me falar umas verdades”? Que verdades?
-Verdades, ora.
-Tudo bem, fale, mas já imagino o que seja.
-É isso.
-Isso o quê?
-Essa é a verdade.
-Qual?
-Você sempre sabe o que eu vou dizer, não gosto disso.
-Eu não sempre sei o que você vai dizer...
-Sabe sim, por isso não digo.
-Aí eu tenho que imaginar...
-O problema é esse!
-Que problema?
-Você imagina as coisas erradas quando não sabe quais são as certas.
- Exatamente, quando não sei as certas. É só porque você não me diz as certas... Talvez EU tenha que te dizer umas verdades, já pensou nisso?
-Não desvia o foco pra você. Então não diz que sabe, e me deixa falar!
-Eu tô desviando?
-Tá!
-Ok, me perdoe, só queria poder te dizer umas verdades também...
-Não, eu quero falar as minhas.
-Tá bom, fale.
-É o seguinte, o problema é esse.
-Hein?
-O fato de você adivinhar as coisas que eu vou dizer, adivinhar o que eu sinto.
-Eu adivinho?
-Advinha.
-Não concordo.
-Por que não?
-Porque eu acho que eu sinto o mesmo que você, isso não é adivinhar.
-Faz sentido... Você sente mesmo?
-Acho que sim.
-Então o problema é maior do que imaginei.
-Que problema?
-Este!
-Olha, seja mais claro, está tarde, a mente não costuma funcionar como devia.
-Ok, se você me deixar falar...
-Mas eu estou deixando! Aliás, me diga:
Você diz que eu sempre sei o que você vai dizer... Isso é mentira!
Nem você sabe o que vai dizer! Como posso eu?
-Tem razão.
-Tá vendo só...
-Mas você não sabe o que eu vou dizer.
-E você, sabe?
-Na verdade, eu não...
-Eu não sei por que, mas entendo.
-Eu só queria te dizer as verdades.
-Que verdades?
-Você sabe.
-Mas você disse que eu não sei.
-Olha, você sempre me perturba com suas respostinhas.
-“Respostinhas”?
-É. Você sempre sabe o que dizer e isso me irrita.
-Por quê?
-Suas “perguntinhas” também me irritam.
-Então eu só te irrito?
-Nem sempre.
-Mas se eu não fizesse pergunta alguma ou não respondesse as suas, não seria mais irritante?
-Talvez.
-Então, se eu fosse muda seria melhor?
-Não!
-A verdade é que você odeia o fato de eu ser igual a você?
-Isso. Eu gosto de opostos.
-Eu sou mulher, você é homem, somos opostos.
-Você entendeu.
-O que você quer dizer com “eu gosto de opostos”?
-Quer dizer que...
-É o fim?
-Eu queria que você mudasse por...
-Você?
-Por mim? É, por mim.
-Você não pode me pedir isso.
-Mas eu estou pedindo.
-Mas você não pode!
-Por que não?
-Porque eu sou eu. É difícil mudar até por mim, quiçá por você!
-Eu já mudei por você, sabia?
-Eu nunca pedi isso, pedi?
-Não.
-Pois é, você mudou porque quis, porque achou que devia, não sei! Comigo não funciona assim, eu me acho suficientemente agradável.
-Escuta, quando você perguntou se seria melhor você ser muda... O que eu disse mesmo?

(silêncio)

-Ouve essa música.
-Qual?
-Essa.
-Que música é essa?
-Você não está ouvindo?
-Sim, mas é irreconhecível.
-The Killing Moon.
-Ah, ela.
-Agora posso falar as minhas verdades?
-Fala.
-Você não devia me pedir pra mudar, é egoísmo.
-Egoísmo é você se achar “suficientemente agradável”.
-Eu não sou suficientemente agradável, então?
-Eu não disse isso, mas chega a ser pretensão da sua parte...
-Achei que gostasse da minha pretensão.
-Tá vendo, continua adivinhando o que não deve.
-Está bem. Acho que lhe devo desculpas.
-Você acha?
-É. Eu acho.
-Você não consegue nem assumir que me deve desculpas...
-Você tá ficando bitolado, não é possível!
-Eu só não consigo entender porque você me trata como uma criança.
-É por que você quer que eu te trate assim.
-Que?
-É isso mesmo. Você se trata como uma criança, age como uma, o que quer que eu faça?
-Eu não sou assim.
-Você é. E ainda é uma criança mimada.
-Como assim?
-Acha que eu devo fazer tudo por você, como se fosse uma obrigação. Amor é troca, sabia?
-Eu não sou mimado.
-Isso não é algo potencialmente ruim, mas exageros são exageros, coisas além do ponto são potencialmente desnecessárias...
-Você não me impressiona com sua prolixidade.
-Não me preocupo em impressionar.
-Tudo bem. Digamos que eu seja... Isso te incomoda?
-Incomoda. Você é do tipo que quer tudo na hora.
-Eu não sou assim.
-É sim.
-Tá bom. Quer saber por que eu liguei?
-Não foi pelos sonhos e pelas verdades?
-Não, não.
-Então foi por quê?
-Porque eu sou mimado e quero uma coisa agora.
-Que coisa?
-Você.


Echo & The Bunnymen – The Killing Moon.

terça-feira, 25 de março de 2008

As vírgulas

Encontrar aqueles olhos, pretos olhos que ficaram por incontáveis dias rondando o quarto que por ela nunca foi habitado, encontrá-los assim, de repente ao virar uma esquina, e o encontro ser tão breve que a única coisa que resta é a busca quase imediata do momento que se perdeu, que já foi.
Que roupa usava?
Já não sei.
Roxo?
Achava que sim.
O que mudou desde as noites ouvindo Gal no velho rádio?
Muita coisa de cá, mas e de lá?
Nunca saberei.
Talvez o mundo não seja pequeno, e nem a vida um fato consumado...
Eram expectativas cruéis, silêncios insuportáveis, palavras vagas, a incerteza mais clara que o céu da primavera, ausências presentes, solidão a dois, que mais?

Não lembro, nunca lembrarei.

Chorar por tudo que não aconteceu é o que resta nesta noite fria de agosto, olhando assim pra lua, ah como éramos piegas, neste quarto onde o meu cheiro se confunde com o cheiro da fumaça do cigarro que, se confunde com o cheiro que dói tentar lembrar, e que de repente surge como uma borrifada de perfume.
Que cheiro?
O cheiro do cabelo, o cheiro indefinível daquelas roupas que tirávamos com pressa, como se fosse a última.
Tateávamos-nos no escuro, como se fôssemos estrelas distraídas.
Ah, como éramos urgentes...
Éramos poesia líquida, que escorria pelos dedos e respingava nas cartas ingênuas trocadas dia após dia, com as frases fortes que tanto adorávamos, citações, músicas...
Aí você dizia: Que lindo.

Aplaudíamos rebeldias.
Éramos proibidas, interrompidas, cortadas ao meio a sangue frio.
Nos importávamos?
Não, nos bastava respirar o mesmo ar.
Ah, mas que trágico é o fim do grande amor.
Eu aqui, você lá.
Eu lembrando, você... Não sei.
Não tínhamos sonhos e nem planos, éramos breves.
Era minha por uma noite, era tua por toda vida se assim quisesse.
Éramos ásperas, desumanas.
Doía?
Como um corte: Ardia por alguns segundos.
Éramos gozo da madrugada longa, banhada por palavras duras e “Líricas”.
Éramos café fraco no sol da manhã que víamos nascer.
Éramos quase sem querer, giz.
Éramos um amor secreto debaixo do guarda-chuva.
Éramos feridas, sempre abertas e em carne-viva.
Sangrávamos fome, vontade.
Sangue inocente derramando de ambos os corações.
Sangue envenenado pelo medo.
O que somos hoje?
Páginas viradas – com orelhas.
Somos o ontem não resolvido de cada uma.
Somos vírgulas, reticências...
Poeira.
É saudade, então.


Gal Costa – Trem das Onze

domingo, 2 de março de 2008

a minha verdade escrita em outra grafia

"Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para
fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e
com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem
magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos,
apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão
nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a
solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente.
E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e
se sucedem e deixam sempre sede no fim."



Caio Fernando Loureiro de Abreu.
A epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só deste texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei” .

A verdade que assombra

“Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso no pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo no zodíaco.”

Gostei. Disse apanhando o copo de suco, de quem é? Ela disse.
De Garcia Márquez, respondi.
Nossa, bem verdadeiro, ricocheteou ela.
É... Me vi nisso aí, disse eu.

Como tá o Carlos? Faz um tempinho que você não me visita, disse.
O Carlos? Sei não, pra falar a verdade, só sei que ele abandonou Dona Lúcia pra viver sozinho lá pelas bandas do sul, respondeu.
O sul é grande, não sabe onde? Eu disse.
O sul grande? Balela.
Mas acho que foi pra Torres, a namoradinha mora lá, disse-me risonha.
Ele tem namorada? Achava que era bicha...
Bicha? Sempre foi muito macho, até onde eu sei, defendeu.
Mas é que a gente tinha umas coisas, nunca pensei nele com namorada, confessei.
Vocês dois? Como assim? Perguntou-me assustada.
Coisa de criança... Desviei.
Ah bem, tomei um baita susto, você tem o telefone dele?
Posso te conseguir...
Tenho não, e não quero não, nunca teria coragem de ligar praquele infeliz.
Então tá, tem mais suco aí?
Acho que sim, só vendo, mas e Dona Lúcia?
Ela sacudiu os ombros: Mal sei, vive sozinha naquele apartamento horrível com cheiro de mijo com incenso.
Eu disse: Mijo com incenso não deve ser muito bom, mas ela é boa gente.
Ela: é nada, me dói todinha.
Eu disse: Que tem isso a ver, querida?
Me dói, não gosto de doer, e o gato dela me irrita.
Gatos são seres celestiais, não deviam irritar...
Mas irritam. Não me conformo com a idéia de ficar num mesmo ambiente com um ser vivo que não é humano...
Isso é Garcia.
É? Olhou-me.
É.

(pausa)

E a Lurdinha?
Porra, a gente vai ficar toda vida aqui falando de pessoas? Irritou-se.
Desculpe, mas é que desde que vim pra esse inferno com cama e comida ruim, tenho sentido falta do passado.
Tá bom, ela respondeu, eu tou pensando aqui naquele trecho do ‘generoso pra esconder minha mesquinhez, é muito bom.
É sim, concordei, mas e a Lurdinha? Persisti.
Lurdinha tá de cama, fodida mesmo, pegou tuberculose...
Me surpreendi: Deus! Ela que só pegava paixão.
É verdade, as coisas mudam, disse, quando você sai daqui?
Eu? Acho que só morto, falei.
Credo, pessimismo é coisa dos anos oitenta, brincou.
Nada, pessimismo é o mal do século vinte e um, este século de merda, cheio das tecnologias que eu não sei e nem quero saber usar, eu sinto falta dos vinis... Terminei.
Mas ainda existe vinil!
Mas não se compra, todo mundo fica numa sanha por CD, me irrita não poder virar o lado...
Compreensível, riu.
Mas tá sabe do que sinto falta mesmo? Indaguei.
De quê? Das bichas loucas nos cabarés antes do câncer? Ela disse.
Eu: Também, mas é outra coisa...
Sinto falta da fé que a gente tinha, quem diria que a gente ia acabar aqui?
Você me visitando num hospital pobre, eu com uns 40 quilos só, todo murcho, sem amigo nenhum, morrendo, sem c-i-g-a-r-r-o e toda essa coisa que a gente nunca imaginou ter ou não ter. Sinto falta da esperança, mesmo que falsa, porque agora nem falsa tem, é só um gosto ruim na boca, queria saber onde é que tá nosso futurinho político ou apolítico cheio dos ideais tão fodidos quanto nós...
Eles morreram, junto com tudo que a gente tinha, disse.
É triste, mas eu concordo... A vida parece um hospital.
Um hospital?
É, as pessoas entram e saem.
Hein?
Sei lá, acho semelhante.
Eu já acho que a morte que é um hospital...
Não, aí é óbvio, quando foi que você se tornou óbvia?
Quando comecei a ‘me interessar pelo desinterenssantíssimo’
Pelo menos citar coisas a gente ainda sabe...
Posso falar do que sinto falta agora?
Fala.
Sinto falta de quando não doía, aliás, quando doía com remédio, quando os amigos ou uma dose de vodka eram suficientes, é disso que sinto falta, eu sinto falta de não sentir falta de coisa alguma, de quando não tinha limite pra dor porque ela até então parecia não existir...
De quando não era tudo ilusão? Interrompi.
É! De quando era tudo bom, que a maconha era o nosso único problema...
Quando a juventude era boa...
E sabe do que mais?
Não
De quando o fim não era nós dois falando do nosso fim.


Legião Urbana - Metal Contra as Nuvens

sábado, 23 de fevereiro de 2008

"Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta."

antes que me excluam por falta de postagem (isso existe?)
resolvi pintar por aqui pra falar dos meus dias, dos meus dias cheios de falta de tempo (oh!)
e como me falta inspiração pra postar minhas 'anotações insensatas', vou postar qualquer coisa né.

É que assim, minha vida mudou na tarde de segunda-feira, e isso me deixou meio pensativa (o que não me deixa pensativa nessa vida?), é estranho quando a mudança é repentina...
Mas tá sendo legal, a novidade é que eu sou a mais nova assalariada vítima da mais-valia dos burgueses filhos da puta que só enriquecem às minhas custas, mas eu ganho por isso, então fodam-se os ideais políticos que eu tinha agora, o que eu quero é ganhar dinheiro e ser independente, sem:
-Manhê! Dá dinheiro pra eu ver um showzinho, custa só cem reais!

Essa coisa de vida social cansa e stressa, mas é uma beleza, não é mesmo?

No mais, o Chico tem tomado conta de minha vida
e ando viciando em Los Hermanos novamente, ô coisa ruim!

New York Dolls vem pro Brasil, e se Lord quiser, o Radiohead também, aí o ano de 2008 entra pra história com louvor.

Um beijo pra quem lê
E "Bye bye Brasil".

Los Hermanos - Pois é

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A dança

No quarto:
-Acorda, anda!
-Já tô acordada.
-Desde quando? Das duas?

Foi aí que eu levantei.
Quando percebi que tinha adormecido novamente e que já passava das duas da tarde.
Recolhi meus cacos ainda dormentes, o cinzeiro e o copo ao lado da cama e fui em direção a janela.

Aí eu abri, mentira, não abri não... Só olhei através do vidro, todo o movimento humano e urbano que passava diante dos meus olhos e saí.

No banheiro:
-Porra, como eu tô gorda!
Dane-se, dieta e academia é pra losers.

Nesse monólogo eu terminei de tirar as roupas e entrei no chuveiro frio, bem frio.
Liguei o rádio (é, o rádio do banheiro) com o braço que ainda estava seco e nem me dei o trabalho de passar pelas estações de rádio, pus no cd mesmo.
“O bloco do Eu sozinho”
-Todo carnaval tem seu fim... Que conveniente.

Comecei e terminei meu banho pensando na vida, como de praxe.
Pensando muita coisa vazia, coisa que todo mundo pensa no banho...
“Será que o mundo tá derretendo mesmo?”

Na sala:
-Vai sair?
-Vou.
Vou à casa do seu tio, comporte-se.
-Eu também vou, acho.
-Comigo?
-Não, eu também vou sair...
-Tá, tchau e não esquece de trancar a porta.
-Tá.

No quarto:
-Droga! Esqueci o rádio do banheiro ligado.

Foi muito conveniente ter que desligar o rádio em “Sentimental”, porque não é uma música escutável todos os dias, sabe?
Tem dias que é bom nem lembrar da letra assim, involuntariamente...

Na sala:

[Trim, Trim]
-Alô.
-Alô, é da casa do Roberto?
-Nenhum Roberto.
-Oi?
-Eu disse que não tem nenhum Roberto aqui...
-Ah! Desculpa, tchau.

Na varanda:
Tomei meu café da manhã às 16hrs, olhando as coisas na rua, a garoa, e a garota.
-Oi!
-Oi.
-Tem café aí pra mim também?
-Só fiz uma xícara.
-Ah! Tudo bem, mas aí não tem o suficiente pra duas?
-Talvez.
-Então passa pra cá!
-Quer um cigarro?
-Quero. Mas tu vai ter que me deixar entrar, pois se minha mãe vir... me faz picadinho.
-Entra.
-Valeu.
E aí? Já voltou às aulas?
-Não. E Você?
-Também não
-Naturalmente, já que vamos estudar na mesma escola...
-Jura? Então por que perguntou?
-Sei lá.
Toma o cigarro.
-Valeu.
Tem fogo aí?
-Que pergunta capciosa.
-Eu digo fogo de acender cigarro.
-Alguns podem acender um cigarro...
-O seu?
-O meu não acende nada.
-O meu acende!
-Então pra quê precisa do meu isqueiro?
-Deixa de ser besta, cadê?
-Aqui.
-Sabe, olha essa chuva!
Tão despretensiosa, gosto de coisas despretensiosas.
E você?
-Eu sou indiferente.
-A tudo?
-Não.
Mas por que a chuva é despretensiosa?
-Porque ela simplesmente chove...
-É.
-Você também é despretensiosa, não é?
-Nem um pouco.
-Eu acho!
-Eu também gosto de você.
-O que?
-Você disse que gosta de coisas despretensiosas, e pra você, eu sou despretensiosa.
Portanto, também gosto de você.
-Eu não gosto de você.
-Nem eu.

(silêncio)

-Preciso ir.
Valeu pelo café, tá muito bom.
Pelo cigarro e pela prosa também.
-Por nada.
Apareça.
-Apareço.
-E traga um disco, quero saber o que anda ouvindo.
-Ok! Tchau!
-Tchau.

Esse foi o diálogo com a “garota ao lado”.
Nós não estudamos juntas desde a primeira série, como no Homem Aranha e em Transformers... Mas o sentimento era semelhante ao deles.
Ah! Mas, como eu sou uma pedra podre, com direito a lodo e tudo... Nunca tive coragem de lhe falar um “Oi”.
Esperem aí, vou pegar um disco...

No corredor:
Voz Distante: Oi! Oi! Oi!
-Ah, é você.
-Por que “Ah, é você”?
-Porque Ah, é você...
-Trouxe o disco.
-Pensei que ia demorar.
-Não demorei?
-Deu tempo de eu entrar, pôr mais café no fogo e até pegar um disco...
-Então eu demorei?
-Não.
O que tem aí?
-Chico.
-Jura?
-Uma expressão menos despretensiosa, que legal!
-Me deixa ver.
Que CD é esse?
-É o meu...
-Qual é o seu?
-É o que mais gosto.
É meio chato ficar toda hora procurando discos, só pra ouvir uma aqui, outra ali...
-Uma decisão inteligente.
-Decisão ordinária, todo mundo faz isso!
-Vamos ouvir.
Entra.
-Licença.
-Não tem ninguém, não precisa pedir.
-Tem você, é questão de educação.
-Continua não tendo ninguém.
-Já ouviu “Do amor”?
-Bubu?
-Isso!
Muito bom né.
-Não gosto das vertentes de bandas.
-Nem de New Order?
-Me pegou.
-Põe o disco aí.
-Então essa é sua coletânea pessoal do Chico...
-Isso!
-Apesar de você... Ponto.
-Quero sambar.
-Haha, a sala é sua, meu bem.
-Vem comigo?
-Não tenho os tais dons femininos...
-Não precisa, vem!

Nas nuvens:
E nós fomos “duas a rodar” por mais ou menos três minutos.

-Carolina.
-Essa não dá pra sambar...
-Dá pra chorar.
-Você chora? Uau!
-Só ás vezes, e é tão freqüente.
-Isso é Caio Fernando Abreu.
-O que?
-“Chorar só choro às vezes, e é tão freqüente.”
-Bonito, mas não conheço.
-Devia ler ele, é muito bom!
-Um dia, talvez.
...
-"Amaram o amor urgente..."
-Você tem bom gosto pra Chico.
-Eu tenho bom gosto só de gostar de Chico...
-Verdade.
-Prestenção na última!
-Tô prestando desde a primeira...

(pausa)

-Essa você dança comigo?
-Não dá pra sambar.
-Mas não é pra sambar...
-Como se dança essa?
-Assim.

Na segunda nuvem:

Foi aí que ela pegou em minha mão e me levou junto ao corpo dela...
E naquele momento tudo deixou de existir.
Só existia aquela sala, aqueles corpos, aquela música, a fumaça dos nossos cigarros e a chuva lá fora.

-Obrigada pela dança.
-Você dança bem!
-Nada, pisei no seu pé quantas vezes?
-Se pisou, eu não senti!
Mas eu pisei no seu uma vez...
-Eu não sentiria nada.
-Uhn, então vou embora, tá bom?
-Tudo bem.
Quando e se voltar, traga mais algumas coletâneas pessoais.
-A próxima será...
-Eu gosto de surpresas.
-Ok! Então será uma surpresa.
Assim como “Tatuagem” no final do disco e como dança!
-Isso, exatamente assim
- Até loguinho, obrigada pelos cafés, pelos cigarros e pela prosa.
-Nada.
-Um dia eu pago!
-Já pagou, meu bem.
-Paguei foi?
-Uhum.
-Como?
-Pisando no meu pé.

Aí ela deu um riso tímido e disse:
-Até mais, e vê se mente melhor escondendo o “Morangos” do Caio ali, tá bom?

De volta ao chão.


Chico Buarque - Tatuagem