quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

a puta que te pariu

Minha querida,
Venho lhe dizer que o ano já acabou e que é tempo de resoluções. Você já conseguiu se dar conta disso?
Espero que as imagens e as coisas confusas da sua cabeça tenham sumido.
Antes que me pergunte, eu estou bem. Só extremamente alienada, o que não é novidade.
Se lembra de quando você achava que alienada era a forma fácil de dizer abduzida?
Sinto falta do tempo em que tudo que passava pela sua cabecinha era inocência e um sentimento doentio por mim.
Sinto falta também dos teus abraços apressados, os corridos a vinte metros de distância de mim.
Eu até já sei a sua resposta: Os tempos mudaram.
Você não precisa me dizer isso, e mais: você não pode me dizer isso. Você é uma criança e eu sou adulta. Você tem que me respeitar.
Antes que me interrompa de novo, eu sei que você não foi desrespeitosa, não precisa ficar brava.
Você ainda fica brava por eu te interromper?
Acho que interromper seus pensamentos deve ser mais chato que interromper seus discursos.
Peço desculpas.

Nunca fui boa com as palavras.
Lembra quando eu te dizia que eu só era boa com o corpo?
Pois é, minha vez de dizer que os tempos mudaram.

Mas queria te falar da minha saudade que já não me cabe no peito.
Aliás, não sei se posso falar-lhe, posso?
Quem cala consente, posso.
Sinto saudade do tempo que eu te era uma heroína, que tu me colocava num altar.
Mas como tem naquela música lá: “Que tempo bom, que não volta nunca mais...”.
Não volta.

Queria te falar dos meus arrependimentos também.
Mas creio que seja um tanto tarde.
Eu só queria que você soubesse, minha querida, que ser mãe não é fácil.
Ser mãe é pisar no próprio dedo, ser mãe é morder a língua.
Ser mãe é ser repugnante: a gente é obrigado a falar mal de tudo que admira, pra não dar asas pros filhos.
Quem disse que Deus não dá asa pra cobra? Deus dá asa até pra leão. As mães que cortam.
Não tem aquela música lá? Só as mães são felizes?
Quem dera.
Felicidade de mãe dura pouco. Dura a compra da primeira roupinha, talvez o choro do bebê depois de sair.
Ah é, eu estava falando dos arrependimentos.
Eu me arrependo quase nunca, você sabe, né?
Mas eu queria te falar o quanto eu me arrependo por ter dito, mais de uma vez, que eu nunca te quis.
Eu queria muito poder continuar sendo repugnante e te dizer que é mentira.
Eu não te queria até o quinto, sexto mês de gravidez.
Depois eu me acostumei com o fato de que tinha uma criança dentro de mim e que eu teria que amar, cuidar e tudo mais.
Isso me apavorou, mas sem medo a gente não é nada.

Me arrependo de não ter participado da sua infância, também.
Vê que bonito? Depois de cinqüenta e tantos anos, eu aprendi a usar vírgula!
E exclamação.
Sabe, meu anjinho, eu queria ter participado da sua infância.
Mas depois que seu pai foi embora, eu desenganei da vida.
Queria mais nada com essa coisa de amor não.
Amor eu só acreditei uma vez, e foi com teu pai, aquele desgraçado.
Foi embora e não me deixou um vintém.
O jeito foi te entregar pros meus pais.

Sabe, meu amor, eu tenho medo quando penso no que você seria se tivesse sido criada por mim.
Acho que você seria burra. E isso seria triste, não acha?
Acho que tu seria magra, uma hora ou outra ia acabar te faltando o que comer.
Também acho que seria sã. Pelo menos isso me conforta.
E mãe. Seria mãe cedo.
Por que?
Minha filha, você seria igual à mamãe.
E mamãe foi mãe cedo.
Sabe, meu bem, te mando essa carta porque gostaria de te trazer algum tipo de lucidez.
Me falaram que no meio das suas crises, você chama por mim.
Vai passar, meu amor.
As coisas na sua cabeça são só coisas da sua cabeça.
Não existem.
Acho que é por isso que te trancafiaram, você acha que é real né?
Sempre foi meio doidinha.

Filha, lembrei agora: sabe aquela música que você cantava pra mim quando era criança?
A do Caetano Veloso, Cajuína.
Lembra o que eu dizia pra você?
Que era uma história de amor e tudo mais.
Como a intenção dessa carta é ser o máximo de honesta possível com você, lucidez e tal, eu vou te dizer a verdade.
Essa música é sobre o suicídio de um amigo de Caetano.
“Existirmos: a que será que se destina?”
Agora faz sentido pra você? Era difícil tentar explicar...

Meu amor, acho que já vou.
Acho que disse tudo o que eu queria te dizer.
Só faltou te dizer que quando você sair daí, você vai morar comigo.

Me responde dizendo quais são suas resoluções. E ah, diz também se o peru ficou bom.
Saudades imensas.
Eu amo você, minha filha.
Me perdoa, tá?
Eu sei que dói... Mas lembra o que eu sempre te dizia?
Quando casar, sara.

Beijos!

sábado, 3 de outubro de 2009

destitulado

-Não pode ser verdade.
Ela sempre me deu uma vida boa. Mas eu nunca disse isso pra ela.
Depois que eu adoeci e consequentemente tive que parar de trabalhar, todo o meu sustento – incluindo vícios e supérfluos – vieram do bolso dela.
Ela nunca reclamou sabe, sempre foi a mulher que todo mundo queria ter.
-Onde você estava até uma hora dessas?
Diferente dela, eu sou do tipo que ninguém nunca sonhou ter.
Tenho todos os defeitos que contribuem pra morrer sozinha: egoísmo, ciúme excessivo, possessão e por aí vai.
Mas ela é do tipo que aceita essas coisas, que acha bonitinho.
-Eu preciso te contar uma coisa.
Ela trabalhava numa multinacional. Não era o emprego dos sonhos dela, afinal, ela curtia essas coisas de comunismo. Mas ela ganhava bem.
Era aquele tipo que a gente chama de “gente boa”. Sustentava a mãe, o pai, o irmão e namorada.
-E você vai?
Ela tinha carro – os pais e eu também - tinha casa na Serra e um monte de amigos. Eu acho que ela era feliz. Digo “acho” porque não se sabe o que passa por dentro de alguém. Ela demonstrava ser feliz, sei lá.
-Por que eu não posso ir com você?
Um dia ela chegou duas horas atrasada em casa. Liguei pro celular umas vinte vezes, fiquei preocupada, sabe... Cidade violenta.
Aí ela me mandou uma mensagem dizendo que chegaria tarde e que não ia poder atender o celular agora.
Eu logo pensei “Ela deve estar com outra”, mas daí eu pensei que bem, ela não ia parar de transar pra me mandar uma mensagem... Mas aí eu pensei de novo que ela poderia ter feito isso pra me despistar.
-Não sei.
Depois de duas horas e alguns minutos ela chegou. Acabada, com cara de quem tinha voltado do enterro da mãe. Eu não sabia se brigava, se dava gelo ou corria pra beijar, como de costume.
Por via das dúvidas resolvi brigar.
-Acho que por um ou dois anos.
Pra minha surpresa, ela tinha ficado no trabalho. Foi chamada pra trabalhar no exterior e que ia ficar lá por tempo indeterminado... Preocupou-se logo em dizer que não ia esquecer de suas obrigações e que ia ligar sempre.
-Eu preciso de paz.
Ela disse que não podia porque era coisa séria. Respeitei, claro. Mas fiquei triste... A gente se ama e ia ficar longe por um ou dois anos, é difícil.
-Você me ajuda?
Abracei ela e disse que tudo ficaria bem. Ela me pegou de surpresa de novo dizendo “nada está bem, como poderia ficar?” e começou a chorar como louca. Não entendi muito, mas senti que ela não queria falar e nem ouvir nada, abracei em silêncio.
-Me passa o telefone.
Fomos dormir nesse dia e no dia seguinte, ajudei ela com as caixas...
-Eu estou colocando minha roupa favorita na caixa e você ainda tá do meu lado.
Ela estava triste. Todo mundo estava. Ela era peça fundamental na vida das pessoas... Era difícil imaginar o dia sem ela.
Imagina alguns anos?
Mas tudo bem, ela precisava de apoio. Vai ficar num país desconhecido por um ano, talvez dois, completamente sozinha... Digo, é claro que ela vai fazer amigos – eis mais uma qualidade dela: é muito sociável – mas sei lá, é diferente.
-Eu não vou conseguir.
Ela não estava feliz em ir. Eu não estava também. Aí eu pensei que talvez isso seria bom pra nós duas. Nossa relação não era das melhores já fazia um tempo. Desde que eu fiquei doente, tenho tido dores constantes. Ela chega do trabalho e vai logo cuidar de mim. Sexo? Nem pensar, faz uns dois meses.
-Você precisa de paz.
Eu queria que ela soubesse o quanto ela vai fazer falta. Mas acho que se eu falar ela não acredita. Ela é muito centrada nas supostas responsabilidades. Bem, ela sabendo ou não, o dia da viagem se aproximava... Era uma coisa às pressas, ela ia substituir um cara que acabou falecendo.
-Você pôs meu celular na bolsa?
Ela vivia reclamando pra eu parar de fumar. Dizia que cigarro só me fazia mal. Bebida também, mas ela também bebia um pouco. Segundo ela, ela precisa de algum vício agora que vai ficar sozinha... Comprou um maço de cigarros no aeroporto.
-Sua mãe não veio?
Ela reclamou durante o caminho todo que ela nem ama esse emprego tanto assim. Mas no fim do discurso disse que ama, mas não ama mais que a vida dela aqui, comigo. Acho que o ‘comigo’ foi só pra me agradar mesmo.
-Então acho que é isso. Vá em paz pra casa, tá bom? Eu ligo quando chegar lá.
Chegando ao aeroporto a mãe dela ainda não tinha chegado. Acho que não ia, dona Marta nunca gostou de despedidas. Elas devem ter se falado por telefone, sei lá. Será que as coisas dela vão chegar direitinho lá?
-Eu ainda sou teu amor.
O vôo dela foi anunciado e eu já estava tensa. Não queria chorar pra ela não se sentir pior. Prendi o choro, acho que ela estava prendendo também... Entreguei a bolsa dela e ela disse que gostaria que tivesse tempo pra fumar um cigarro. Rimos disso.
-E eu ainda sou sua menina.
Ela me abraçou um abraço longo, disse pra eu me cuidar que logo ela já voltava. Sempre preocupada com o que os outros sentem... Senti no olhar dela uma coisa meio “me diz alguma coisa”... Os olhos dela eram lindíssimos, uma coisa meio mel, sabe?
-Boa viagem, meu bem.
O avião dela partiu e eu não disse sequer “fica”.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

everybody gotta learn sometime

Olhe ao redor

-Eu preciso que você me mande...
-Alô.
-Se você tava aí por que não atendeu?
-Não quis.
-E por que atendeu agora?
-Porque eu quis.
-Tanto faz. Preciso que você me mande aquela pastinha que eu guardo na mesa do canto.
-A azul?
-É. Tem uns documentos nela e enfim, você pode?
-É pra quando?
-O mais rápido que você puder.
-Amanhã eu levo, então.
-Mas são oito horas da manhã e hoje é segunda feira, você não trabalha. Por que não traz hoje? Tem compromisso?
-Se era pra levar hoje, por que você não respondeu ‘hoje’?
-Não quis que soasse como uma ordem.
-Eu sei que foi um pedido. Você pode parar de manter as aparências agora, pelo menos comigo.
-Como assim?
-Acabou o tempo das aparências. Você não precisa fingir que não é psicótica.
-Você sabe o que é alguém psicótico?
-Cara, foda-se. Eu levo a porra da tua pasta hoje.
-Mas você não tinha compromisso?
-Eu não disse que tenho e nem que não tenho. O fato é que o quanto antes eu levar, mais cedo eu fico livre de você.
-Então é disso que tudo se tratava, não é? Se livrar de mim?
-De certa forma sim.
-Por que?
-Pra que você quer saber?
-Bem, a gente viveu junta por alguns anos, eu tenho o direito, não tenho?
-Você é ridícula quando diz que ‘tem direito’. Mas eu te falo sim: meu saco de paciência se esgotou.
-Você precisava de tanta paciência assim?
-Velho, dá pra parar de bancar a psicóloga comigo? Enfia o teu diploma você sabe onde.
-Eu tô bancando de psicóloga?
-Tá. Você tá fazendo isso desde ontem. Não dá pra ter uma conversa com você. Não dá pra terminar alguma coisa com você. Porque você só se esconde por trás dessa maldita profissão.
-Olha, eu já não sei mais qual era o ponto.
-Ponto de quê?
-De a gente ter terminado. Você perdeu a paciência comigo por causa da minha profissão?
-Cara, pára de me analisar, por favor. Você não sabe de nada.
-Eu só queria saber.
-É. De certa forma foi isso. Você ficou um saco com todo esse papinho de divã.
-Me desculpa, eu não queria ter feito isso.
-Agora me diz: por quê? Jung era mais interessante que o nosso namoro?
-Freud.
-Tá vendo? Não dá pra conversar com você. Daqui a pouco eu levo a tua pasta.
-Calma. Conversa comigo.
-Conversar o quê?
-Volta pra mim.
-Vai pro inferno.
-Isso foi um não?
-Isso pareceu um sim? Se pareceu, deixa eu usar a técnica de Rorschach.
-Haha. Você continua hilária.
-Alguém muda em menos de 24 horas?
-Claro que muda. A gente mudou.
-Foi?
-Ontem a gente se amava, lembra?
-Usa outro exemplo. Eu ainda te amo.
-Então por que não volta?
-Não se trata de amor. Amor não é suficiente.
-Eu discordo.
-Eu não me importo com o que você acha. Eu não vou voltar pra você e eu nem sei porque essa conversa tá durando tanto.
-Porque você quer resolver as coisas. Foi por isso que eu liguei.
-Eu quero resolver as coisas? Você não?
-Não. Pra mim já tá tudo muito bem resolvido: você volta pra mim.
-Pára, cara. Isso não vai acontecer.
-Quais são as coisas e as cores?
-Esse tipo de coisa a gente não pergunta. Se você não sabe, o que tá fazendo aqui?
-Eu não queria saber. Não quero te prender.
-Esse assunto rendeu demais, vou desligar.
-Não desliga, só me diz por que não.
-Não tem mais jeito, chutar cachorro morto não é pra mim.
-Por que não tem mais jeito? Por quê?
-A gente desaprendeu a amar. A gente se mascara uma pra outra e isso não é amar, não pra mim.
-Você tá certa. Mas por que a gente fez isso?
-Porque a gente não aceita mais o que a outra realmente é.
-Eu aceito.
-Não, você não aceita. Você quer aceitar, é completamente diferente.
-É difícil aceitar algumas coisas.
-Então não diz que aceita, é simples. Eu nunca menti pra você. Eu nunca suportei as tuas cobranças.
-Eu te desapontei?
-É muito tarde pra desculpas.
-Nós somos uma, mas não somos a mesma pessoa.
-Não começa citando coisas. Deixa a poesia pros poetas.
-Eu só não queria ficar longe de você. Você quer que eu rasteje?
-Não quero. Não seja ridícula.
-A gente vai continuar se falando?
-Você tem meu telefone e meu endereço.
-Quem vai catar tua poesia?
-Alguém sempre cata.
-E o que nos resta agora?
-O que nos restava desde o começo: o amor. Só ele.
-Então, cara. Se a gente ainda se ama, por que não fazer das coisas simples de novo?
-Porque elas deixaram de ser simples, cara.
-Quando?
-Chegou um tempo em que te ver não era mais tão bacana quanto semana passada, entende? Eu nem gostava mais de dormir com você.
-Eu sempre amei dormir com você.
-É, a gente sempre amou. Só que chega uma hora que cansa.
-Cansa dormir?
-Não. Cansa dormir sozinha.
-Eu nunca deixei de dormir com você, cara.
-Seu corpo tava lá, mas e o resto? Se eu quisesse só um corpo, não estaria com você.
-Eu sempre estive inteira com você.
-Aham. O próximo passo é me dar flores? Pára de ser fingida.
-Não dá mesmo pra conversar com você.
-Que bom que percebeu. De tarde levo tua pasta aí.
-Tá bom. Eu te amo.
-Eu também te amo.
-Beijo?
-Outro.
-E a saudade, como fica?
-Não sei. A gente devia ter pensado na saudade antes.
-Eu ainda vou dormir com você todos os dias.
-O pior é que agora vai soar mais próximo do que antes.
-Pois é. Vou continuar passando a mão no teu cabelo no meio da noite.
-Desde quando você faz isso?


Change your heart.

sábado, 19 de setembro de 2009

sem saco

pra porra nenhuma.

síndrome de greta garbo e de zeca pagodinho: quero ficar sozinha, mas com cerveja.

+

trecho que um dia entrará em alguma coisa:
"não te assuste se um dia eu te mandar embora. não ache que é uma fase ruim ou as drogas, se eu mandar, simplesmente vá."

no mais, antecipando o curso natural das coisas desde 1991.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

deep black hair

Na noite passada os meus beijos eram do cabelo preto.
E toda minha vida passava por aqueles fios.
Meu corpo virava uma imensidão de caminhos, de buracos.
Meus ouvidos davam passagem pros sons (Fuzzy?) e meu nariz dava passagem praquele cheiro que meu deus, pudera eu explicar.
Minha pele virava espectadora da dela.
Meus órgãos, células e tudo mais paravam de trabalhar por alguns segundos pra poder sentir os dela trabalhando.
E meu nariz abria passagem pro vento que saía do nariz dela, da boca dela.
E eu sentia o cheiro do que ela respirava e expirava. Você sabe como é isso?
Existe algum tipo de magia em cheirar o tal cabelo preto. É uma coisa que me falta as palavras pra descrever mas é mais ou menos assim: você cheira e aquele cheiro entranha, é o tipo de coisa que você sabe que nunca mais sai dali. E que de repente pode surgir assim do nada em você, só pra lembrar que ainda tá ali.
É um cheiro superpoderoso. Um misto de pele com cabeça com shampoo com sei lá mais o que que acaba virando o cheiro dela.
E é daqueles cheiros (e a essa altura eu não sei por que uso ‘daqueles’ como se existisse outro) que você simplesmente só cheira e cheira até o cheiro sair, entende?
Mas na verdade ele não sai, ele só fica no teu nariz e tudo, tudo mesmo passa a ter aquele cheiro.
E se eu fosse um objeto qualquer ficaria lisonjeado.
Porque é o cheiro dela.

Eu queria ter um vocabulário rico pra poder descrever o resto pra você.
O corpo, entende?
O pescoço, a garganta branca igual a leite.
Os olhos pesados, levíssimos.
Dos pés à cabeça é tudo perfeito, é tudo defeito.
O cabelo dela como diz na música é molhado de lágrimas e adeus.
Mas quando eu volto o cabelo já secou e eu posso mergulhar naquele cheiro de novo.
Ela te joga na cara o quanto é pós-tudo, exala dormindo o tire suas mãos de mim e ao mesmo tempo é tão frágil, tão me aperta, tão minha que eu até acredito.
Ela tá ali, inteira pra mim.
A boca é um poço das tais palavras mordazes e de toda doçura do mundo.
Ela inteira é um poço de contradição.
Não tem aquela coisa de ame ou odeie, é faça os dois.
Mas me deixa falar da textura daquela pele.
Aparentemente não existe nenhum cuidado especial, o que torna a coisa mais louca ainda.
Nasceu assim, sabe como?
Textura dos anjos, dos céus e de tudo mais que existir.
As costas são um deserto, um monte de nada que é bom de tocar.
A luz da TV quando faz sombra no ombro é de fazer qualquer um chorar.
É quase meia-noite, passou o horário nobre então me deixa falar.
E não, a intenção não era rimar.
Você gosta de ser bicho?
Eu gosto de ser bicho com ela.
Eu que geralmente não gosto de ser bicho porque quando eu sou bicho por inteira eu gosto de apertar forte, sabe? Gosto de sentir meu outro bicho perto, gosto de proximidade.
Mas com ela não tem dessa, a gente grita que é bicho.

Agora eu vou falar só um pouco de mim, na verdade, só de uma parte de mim que é quando eu olho pra ela.
Imagina a cena: uma criança faz aniversário dia 27 de julho e ainda é 15 de maio e quando a data vai se aproximando ela vai ficando ansiosa pra saber se vai ganhar a tal bicicleta azul que espera desde quando passou de ano, e a data chega, sabe? E o pai entrega o presente e a criança paga com aquele olhar de gratidão e aquele olhar de quem tá olhando pra coisa mais preciosa da vida.
Eu sou a criança e ela, a data, a bicicleta.

E o sorriso?
Ah, o sorriso.
De tão bonito a gente sorri junto, é simples.

E sobre o cabelo preto, me deixa falar só mais uma coisa:
Cheio das palavras sussurradas, molhado com as lágrimas, marcado com os dedos, escondendo o rosto, o cheiro, a cor, a beleza, os segredos e tudo mais que a compõe: é meu.
O cabelo preto é o segredo dela.
Mas ele é castanho.



Today she took a train to the south.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

azedume

e o pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina.

los hermanos is back

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

waste allocation load lifters - earth


hoje é segunda-feira sete de setembro.
um feriado qualquer, com direto a brigas e passeios furados.
ou seja, um feriado comum.
exceto pela noite, que foi uma das melhores surpresas por mim já vividas.
eu explico: todo mundo vinha falando de wall-e - a animação da pixar - já há algum tempo.
e eu, como sempre, preciso mais do que pessoas falando sobre pra ir atrás da coisa.
depois de ler uns comentários apaixonados e uma resenha lindíssima (vide omelete.com) resolvi assistir.
(é aí que eu mostro o quanto sou controversa)

minha animação favorita sempre foi toy story.
quando era menor, tinha todas as falas gravadas na cabeça: das mais importantes às mais inúteis.
(eu ainda lembro do dinossauro falando 'tá me batendo um sentimento de culpa')
enfim, meus personagens feitos em computador favoritos sempre foram buzz e woody... até hoje.

wall-e é despretensioso: começa com uma alusão à uma odisséia no espaço, com uma musiquinha legal que eu desconheço e o simpático robôzinho fazendo seu trabalho.
que é limpar a terra do lixo que os humanos encheram (literalmente).
ele coleciona de nós o que acha interessante: um cubo mágico, isqueiros, fitas k-7, filmes e por aí vai.
tem uma também simpática baratinha (em que outra ocasião eu chamaria uma barata de simpática?), que é amiga do robô.
a história do filme é basicamente essa: o último robôzinho de sua espécie, mais sua amiga barata, limpando nosso lixo enquanto os humanos estão numa nave gigante no espaço esperando a terra ser limpa e habitável novamente, com direito a uma paixão no seu percurso.

mas o foco do post não é fazer uma crítica do filme.

bem, sem contar despedidas - que é covardia - fazia um tempo que eu não chorava.
nos primeiros vinte minutos de filme a vontade já veio (se alguém resistir aos olhinhos dele eu pago um real).
engoli, claro. sou macho.
vieram mais algumas vontades de chorar ao longo do filme, continuei segurando.
no final não deu.

wall-e é muito mais que uma animação de primeira, é um filme de primeira.
eu não sei como os caras da pixar conseguiram fazer de um filme que é quase mudo, que conta a história de um robô apaixonado e de humanos idiotas ser tão tocante.
o filme não é apelativo e nem cheio das comédias.
é sutil em sua proposta.
diverte, faz refletir e comove até quem não tem um coração batendo no peito.

wall-e me devolveu o prazer de assistir uma boa animação (o último que vi foi shrek 3, terrível), o meu carinho por feriados & segundas-feiras e devolveu o que eu havia perdido faz um tempo: as minhas lágrimas fáceis.

wall-e devolve através de um robô o que nunca deveria ter saído da gente: a humanidade.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

brigitte bardot

a saudade é um filme sem cor que o meu coração quer ver colorido.
















a saudade é um prego enferrujado que entra no teu pé a cada passo e que você nunca, nunca vai conseguir arrancar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

stop whispering

and my mother say "we spit on your son some more."
and the buildings say "we spit on your face some more."
and the feeling is that there's something wrong..



que tenha algo errado, assim meu livro sai mais rápido.

sábado, 8 de agosto de 2009

em luz e sombra

e era sempre: "não foi por mal, eu juro que nunca quis deixar você tão triste."
sempre as mesmas desculpas e desculpas nem sempre são sinceras... quase nunca são.

o passado vindo à tona e com ele, cheiros e sensações adormecidas.















singing 'i miss you'.

sábado, 1 de agosto de 2009

constatações

10 20 30 40
tell me that you wanna hold me
tell me that you wanna whore me.
(sonic youth)

Hoje foi um dia comum. Foi não, é, pois não passa das 19:13.
Fui visitar minha tia e por lá não fiquei mais que meia hora.
Voltei e, no caminho, resolvi sentar pra fumar. Sentei numa daquelas mesinhas de praça, e nela estava sentada uma criança com seus dez anos, no máximo.
Levantei, afinal, fumaça faz mal pra criancinha.
Fiquei numa distância considerável da criança. Suficiente pra ouvir a conversa com sua mãe.

Mãe diz: Tá vendo? É desse tipo de gente que eu falei pra você ficar longe.
Criança diz: Por que?
Mãe diz: Porque eles não têm nada na cabeça, são um bando de sem vergonha.

É, era eu a sem vergonha.

É estranho se transformar (entre aspas) naquilo que as mães advertem suas crianças.
Isso me lembra minha infância, quando todos diziam pra ficar longe dos gays, das putas, dos loucos, dos bêbados...
E hoje eu sou boa parte desses que eu citei.
É mais estranho ainda constatar que as pessoas crescem com medo dessas 'gentes'. Afinal, eu não sou nociva à sociedade.
Não há o que temer. Distúrbio mental? Ter medo é um pouco demais. Homossexualidade? São eles que tomam no cu, pra quê se preocupar? Puta? Cada um faz o que quer. Ou o que é preciso. Bêbado? A gente não quer só comida...

Advertências prévias, muito prévias:

Loucos: Fique longe, bem longe.
Putas: Joga bosta.
Gays: Bando de sem vergonha.
Bêbado: Vagabundo que não quer trabalhar.

Um viva ao que a gente ouve na rua desde que o mundo é mundo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

para atravessar agosto:

não vai ser preciso ler autoajuda (alô alô reforma, aquele abraço);
nem ler caio;
nem ouvir smiths ou assistir filmes depressivos;
nem ter ataques de tristeza nem nada.
para atravessar agosto, lembro, só é preciso manter o cheiro bem aqui, nos meus pulmões.

ps: nunca pensei que algum dia fosse dizer que tenho saudades do sol não se pôr.
ps2: 'a saudade é uma colcha velha'


no mais, faquir involuntário, vasto, vivo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

heaven from hell?

blue skies from pain
can you tell a green field
from a cold steel rail?
a smile from a veil?
do you think you can tell?

os dias de vontade de dizer 'tô extremamente triste, acredita?' voltaram. e com eles, a falta de alguém pra ouvir.

good night, headache.

ps: the same old fears...
Mother, do you think they'll drop the bomb?
Mother, do you think they'll like this song?
Mother, do you think they'll try to break my balls?

Mother, should I build the wall?

Mother, should I run for president?
Mother, should I trust the government?
Mother, will they put me in the firing line?

Is it just a waste of time?


Hush now baby, baby, don't you cry
Momma's gonna make all of your nightmares come true
Momma's gonna put all of her fears into you
Momma's gonna keep you right here under her wing

She won't let you fly, but she might let you sing
Momma's will keep baby cozy and warm

Oh, baby
Of course Momma's gonna help build the wall

Mother, do you think she's good enough
For me?
Mother, do you think she's dangerous
To me?
Mother will she tear your little boy apart?
Mother, will she break my heart?

Hush now baby, baby, don't you cry
Momma's gonna check out all your girlfriends for you
Momma won't let anyone dirty get through
Momma's gonna wait up until you get in
Momma will always find out where you've been
Momma's gonna keep baby healthy and clean

Oh, baby

You'll always be baby to me

Mother, did it need to be so high?

terça-feira, 16 de junho de 2009

memórias das memórias.

"O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."

"Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver."

"O bolero é a vida."

"Eu sou quem você não procura."

"Olhou-me nos olhos, mediu minha reação ao que acabava de me contar, e disse: Então, vá correndo procurar essa pobre criatura mesmo que seja verdadeiro o que dizem os seus ciúmes, não importa, o que você viveu ninguém rouba. Mas, isso sim, sem romanticismos de avô. Acorde a menina, fode ela até pelas orelhas com essa pica de burro com que o diabo premiou você pela sua covardia e mesquinhez. De verdade, terminou ela com a alma: não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor."

no mais, o bolero é a vida e o que eu vivi ninguém rouba.

uma história não muito boa.

Meu nome é Iracema, tenho 43 anos e nunca fui casada.
Tenho um filho do único namorado de que tive na vida, que chamava Alberto.
Minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos. Morreu de tuberculose.
Sou filha única, meu pai vive num asilo em Petrópolis e nem sequer sabe o meu nome.
Quando o visito, uma vez por mês, ele me trata como uma amiga advinhona que sabe que a fruta favorita dele é laranja. E que bem, leva sempre muitas laranjas pra ele.
Não tenho amigos, nunca tive até vir pra cá. Exceto aos 13 anos, que foi quando meu pai me deu uma gata chamada Iracema.
Ela era linda. Branca dos olhos amarelados.
Mas ela morreu.
Ela contraiu uma doença que os machucados que ela tinha na pele se multiplicavam pelo corpo todo... Câncer de gato.
Ela dormia comigo, tomava café comigo, estudava comigo... Só que quando os machucados ficavam muito feios, minha mãe não a deixava dormir comigo.
Quando meu pai disse que a levaria pra ficar bem de novo, eu fiquei feliz. Mesmo que ela nunca tenha voltado.
Meu pai disse que ela morreu de felicidade, porque se curou dos machucados. E desde então eu sempre digo que quero morrer de felicidade, deve ser bom.
A idéia de meu pai era pôr o meu nome na gata pra ver se assim eu passava a gostar dele, do meu nome, porque meu pai eu adorava.
Funcionou por um tempo.
Não gosto dos Beatles e nem dos Rolling Stones... Eu gosto mesmo é do Creedence.
De cinema eu gosto. Gosto daquele cara lá... Pasolini.
Meu pai fazia sessões de cinema quando eu era mais nova.
Todos os sábados, pontualmente às três da tarde, ele me chamava pra assistir filmes.
Nunca filmes infantis.
Eu estranhei nas primeiras vezes, mas depois adorava, mesmo não entendendo o filme.
Não entendia sequer o título. Eram todos em outras línguas.
Eu só gostava de Accattone porque parecia Panetone.
Eu gosto de fotografia em preto e branco e de dias de sol.
Às sextas feiras, eles me trazem aquela revista, Superinteressante pra ler. Eu adoro.
Na sexta passada, me trouxeram uma que na capa dizia: O google sabe tudo sobre nós.
Mas eu não sei o que é google.
Quando minha mãe morreu, eles me trouxeram pra cá. Mas eu já tinha 18 anos.
Essa parte eu não posso contar porque eu não lembro.
Aos 19, eu fui morar com o meu pai numa casa no Rio de janeiro.
A gente morava pertinho da praia e meu pai sempre me levava pra ver o céu de manhã.
Foi aí que eu comecei a amar o sol.
O sol me remete a felicidade, e eu gosto da felicidade.
Eu gosto de arroz com tomate e coca-cola.
Meu filho chama Doug por causa do Doug Clifford, do Creedence.
Ele tem 20 anos e na última carta que me mandou – com foto e tudo – ele me conta que acabou de entrar pra Universidade.
Engenharia geotécnica é o que ele faz. Nome bonito, ele diz que mexe com o solo.
Quando eu tinha 22 anos e ainda morava com o meu pai, eu conheci o Alberto.
Moço bonito, mas não tinha barba.
Ele era filho de um grande amigo do meu pai chamado Jorge.
Começamos a namorar duas semanas depois que nos conhecemos... Eu relutei, moço pra me namorar tinha que ter barba, assim como os Creedence.
Mas ele deixou a barba crescer por mim, depois disso eu comecei a gostar dele.
Eu engravidei sete meses depois e aí ele foi embora pros Estados Unidos da América pra ganhar dinheiro suficiente pra sustentar nosso Doug.
Meu pai ia todo dia 15 buscar o dinheiro que Alberto mandava dos Estados Unidos da América.
Ele costumava demorar porque tinha muita fila pra trocar a dólar por dinheiro brasileiro.
Quando Doug fez três anos dizem que eu enlouqueci.
E eu sempre achei isso muito engraçado... Porque os loucos são aqueles que usam camisa de força, não é?
Eu nunca usei.
Me trouxeram pra cá e aí pegaram meu Doug. A dona Elizete. Mãe do Alberto e mulher de Jorge.
E desde então é aqui que eu vivo.
É um lugar muito legal.
Todo dia de manhã eu vou tomar vento no jardim e eles me dão papel e caneta porque eu gosto muito de escrever.
De tarde eu almoço e assisto filmes.
Ontem eu assisti Silent movie. Filme de infância quase.
De noite eu tomo banho e janto e às 7 vou dormir.
No último domingo de cada mês é quando eu vejo meu pai.
Aí eu compro laranjas e levo pra ele.
Eu gostaria muito de levar meus cadernos pro meu quarto, mas eles não deixam.
Todos os dias quando beira o meio dia, a dona Roberta pega meu caderno e leva pro Seu Luis. A gente o chama de O poderoso chefão.
E às vezes eles me levam pra um lugar onde tem muitas pessoas.
Eu sempre pergunto por que e a dona Roberta me diz que é porque eu estou melhorando.
Eu não sei em que eu melhoro. Acho que é na escrita.
Lá eu conheço um monte de gente, mas ninguém é meu amigo.
Tem uma moça chamada Dorothy.
Ela morava em um lugar chamado Oz antes de vir pra cá.
Eu acho esse nome muito engraçado... Oz.
Eu converso com ela às vezes e ela me disse que na próxima vez em que eu for lá, ela vai me dar o endereço de um moço que faz a gente feliz.
No meu aniversário, eles me dão bolo e um suéter.
Eu tenho 18 suéteres. Um de cada cor.
O meu favorito é o verde.

Lá vem a dona Roberta. Já são meio dia e eu preciso entregar o meu caderno pro Seu Luis ver.
Eu acho que vou pro lugar com muitas pessoas hoje...
Se tudo der certo, eu vou encontrar o moço que faz a gente feliz essa semana.
O céu está lindo e quando consigo olhar pro sol, eu sempre pergunto: Have you ever seen the rain?
Mas ele nunca responde.

sábado, 6 de junho de 2009

por me deixar respirar, por me deixar existir. deus lhe pague.

E cá estamos nós. Você me evitou por um dia inteiro, me evitou quatro vezes. Fechou os olhos, chorou, pediu pra parar, usou dos teus dotes inúteis mas você sabe que nada vai me parar. Por que eu sou você. E sou você efetivamente e não um tipo de eu lírico, porque o teu eu lírico te passou a perna e foi embora também, como todo mundo vai.
Não tenta de nenhum jeito me evitar de novo, olha bem como você fica?
Sabe, cara, eu nunca gostei de você. Nunca mesmo, porque te acho frágil.
Eu não gosto de coisas frágeis.
Mas existem algumas coisas que eu admiro em você. Uma delas é a tua inocência.
Sabe que inocência é algo que quase ninguém tem mais?
E você tem, tem muita.
É admirável alguém ter tamanha coragem de ser inocente nesses dias desleais que a gente tem que viver.
Mas enfim, eu vim dizer uma coisa: a culpa não é de ninguém, sabe?
Não é dela, não é da sua mãe, nem dos amigos que você não tem, de ninguém.
A culpa é toda sua.
Quem faz essa bagunça na tua cabeça e no resto que resta do teu coração é você mesma.
E eu vou te dizer uma coisa: tudo que você imagina aí na tua cabecinha de merda, é a mais pura verdade.
Não tem espaço pra você e nem nunca vai ter.
As outras são melhores que você sim, e sempre serão.
Você é um fato isolado, lembra o que te diziam no colégio?
É, sua mãe não te pariu, ela te cagou.
Ou até aquela bem antiga: Deram a placenta pra sua mãe amamentar.
E você sabe desde o começo que existem duas opções: aceitar ou se matar.
Como você não tem coragem de se matar porque tem medinho do que virá depois, aceita logo, sabe?
Vai doer menos, eu juro que vai.
Então é isso: aceita, sabe? E consequentemente, desiste.
Desiste dos teus amores, porque como diz o nosso amado Morrissey, só pedra e ferro aceitam essa bosta aí que tu chama de amor.
Ninguém quer pureza, dude. O povo quer realidade, o povo quer coisas palpáveis.
Ninguém quer amor dependente, sabe? Ninguém quer te ter do lado, ninguém quer te ter por baixo e nem por cima.
Sua vida não passa de uma música dos Smiths.
Last night i dreamt that somebody loved me, never had no one ever, that joke isn’t funny anymore, well I wonder, I know it’s over, hand in glove, a lista é grande.
Então desiste.
Seus objetivinhos? Desiste também.
Não vai dar nada certo.
Don’t get any big ideas, they’re not gonna happen, lembra?
Eu sei que você não esquece, anda fazendo a lição direitinho.
Então fica de boa aí na tua, cai fora de todas as coisas que você chama de tentativa, porque NÃO vai dar certo, tá ouvindo?
Isso, chora. Chora bastante. Porque isso você tem direito, o resto não.
O resto é pra quem sabe viver, you know? E isso você não sabe fazer.
Você acha que só por que se dá pras pessoas, porque não é e nem nunca foi egoísta, as pessoas vão te saudar?
Vão todos te pisar, sua babaca.
É assim que funciona: Viram uma cabeça abaixada pra pisar? Eles pisam. Não interessa se você tá de cabeça baixa pra olhar alguma coisa no chão, eles pisam.
E você é diferente deles, né?
Você não pisa. Você não faz nada de bom. Nem de ruim.
É esse o teu problema.
Você não tem atitude.
Não adianta tentar mudar nem nada disso, porque você sabe que é em vão.
Qual o quê? Desde quando você tem fé assim? Desde quando você acha que pode ser diferente?
Não vai ser diferente nunca, Iria.
Teu futuro a gente não precisa de borra de café ou de cartomante pra ver.
É só olhar pra tua cara.
Pros teus olhos pidões.
Você acha que pedir adianta?
Se adiantasse, minha filha, não existiria mendigo no mundo.
Então te orienta que a vida não vai parar pra você chorar.
O fluxo natural vai continuar seguindo, te porrando na cabeça, rindo da tua cara enquanto você fica aí, dando uma de coitadinha, pedindo abraço.
Desde quando abraço se pede?
Se alguém quisesse te abraçar, te abraçariam de graça, você não precisaria pedir.
Eles abraçam, claro.
Até eu abraçaria, dá pena.
E o fim disso aqui não vai ser um ‘eu gosto de você, na verdade’ porque não, eu não gosto.
Eu não sou diferente dos que te cercam.
Só sirvo pra te jogar umas coisas na cara, quando você merece.
Então continua na tua vida aí, com teus planinhos, arranja um emprego, paga teus vícios e quando você tiver na merda e não tiver mais ninguém (normal), alguém do INCA segura tua mão na hora da tua morte.

Ps: posta no teu blog sim, daí você nunca mais esquece que você é o que você faz: uma mentira.

the story is old, i know, but it goes on

I could live a little better with the myths and the lies
When the darkness broke in, I just broke down and cried.

domingo, 31 de maio de 2009

quando tudo fez sentido.


É sempre muito difícil falar das sensações que eu tenho diante das coisas.
Na verdade, nem de longe, eu sei falar delas.
Mas nesse caso - especialíssimo - eu vou tentar.
Entre hipérboles e superlativos, eu digo: se existe algum tipo de coisa que se aproxime do divino, esta coisa é estar no meio de uma multidão, com dores em quase todo o corpo, sem água, sem comida, sem cigarro (eu mal conseguia respirar, fumar nessas condições é pedir pra conhecer o divino logo) e mesmo assim, estar feliz. Alcançar o nirvana, you know?

Nesse dia - 20 de março de 2009 - eu acordei às sete e meia.
Não, vamos falar de um dia antes.
Dia 19 de março de 2009 eu fui dormir levando comigo uma euforia que eu só tinha visto algumas vezes na vida.
(quando minha mãe aparecia, quando eu beijei pela primeira vez, quando eu voltava do colégio, no carnaval de 2009...)
E então, depois de prometer dormir cedo, eis que dormi sei lá, mais próxima das cinco do que da meia-noite.
E eis que acordei às sete e meia do dia vinte de março. Decididíssima.
"Vou levantar, tomar banho, ajeitar o que há pra ser ajeitado e sair daqui às oito."
Ledo engano.
Saí de casa às onze, quase doze. Quando cheguei na Central já eram quase duas. Damn, pensei.
Perguntando aqui e ali "onde fica a praça da apoteose?"
E as pessoas diziam: "tá vendo o balança-mas-não-cai? Depois."
Eu não estava vendo, mas fui.
E fui ouvindo "I might be wrong" uma das que eu rezei pra tocar além dos meus fones.
Logo, depois, tocava "Knives out", outra que eu desejava ouvir em alta escala também.
E uma cena que eu jamais esqueço é esta: eu andando com um sorriso bobo na cara por uma das calçadas da central, balançando a cabeça ao som de knives out, como se os pivetes não existissem, como se o sol não existisse ("o sol nunca mais vai se pôr", penso), como se o trânsito apressado não existisse.
Cheguei na rua da tal apoteose e lá tinha uma fila exponencial.
Pensei: Fodeu, vou assistir o show dos portões.
E esse pensamento permaneceu até muito depois das duas, que era a hora em que eu cheguei lá.
Fui pro rabo da fila, fazendo curva no muro de grades da apoteose, uma coisa assustadora.
Sentei na calçada e lá havia um casal de mineiros, sorridentes, dizendo: É aqui o final sim.
Pois então, sentei, aumentei o volume do mp3 player (advinha que o tocava?), parei um ambulante pra comprar umas cervejas, acendi uns cigarros, quando uma meia hora depois, a fila anda. E não obstante, o coração dispara.
"Mas nem três são ainda!" Exclamam.
Alarme falso.
Pensei: No surprises, please.
E aquele momento de extrema ansiedade se estendeu até quase cinco.
Pus a ansiedade de lado pra falar ao telefone, não queria que fosse um telefone que nos unisse ali, queria ela de carne e osso, pra complementar aquilo que sim - meses antes - eu já sabia que seria a coisa mais extraordinária que me aconteceria.
Por fim, o telefonema acabou e um tempo depois uma correria estranha começava nos portões.
Gente saindo da fila pra correr dos lados e eu sem saber o que fazer.
Segui o fluxo, saí da fila pra correr e entrei nos portões junto com todas aquelas pessoas correndo como se fossem ver algo divino.
Eis que me deparo com uma pista, um corredor, um sambódromo de muitos km de extensão.
E nele, três barreiras. Três barreiras pro palco. Estava chegando a hora.
E naquela euforia louca, fomos parados por uma das barreiras e o segurança dizendo: "Se tiver bagunça eu não vou abrir!"
E nós parecíamos um bando de hienas, ou de leões atrás da presa, nada nos parava ali.
Eis que depois de muita conversa (e muito xingamento da nossa parte para com os seguranças), eles resolveram abrir.
E lá fomos nós correndo atrás do divino novamente, e lá fomos parados novamente.
"Identidades e ingressos na mão!" Gritaram.
Eram as catracas. Mais aquela barreira e o palco era nosso.
Muito empurra-empurra, eu achei um espaço pra passar na frente de todo mundo. E passei.
Logo depois, a revista. Pensei: "caralho, vou ficar sem câmera"
A segurança apertando minha bolsa, e perguntou: Tem algo de comer aqui?
E eu disse: Sim.
E dei o maldito (ou bendito) clube social que eu havia levado pra comer na fila, ou no show, e dei pra ela.
Melhor ficar sem comida do que sem câmera. A escolha mais estranha que já fiz na vida.
E eis a outra correria. A pior, diria.
Gente caindo, sendo pisoteada, zoada, e etc.
Nessa hora tenho certeza que todos os 'lentos' pensaram: Maldita aula de educação física que eu fui faltar!
Mas eu fui persistente. Mesmo com os muitos kg a mais, corri feito louca.
Corrida mais que válida, fiquei na 'segunda grade'.
Cheguei lá, entre o lado esquerdo e o centro do palco e abri um sorriso.
Era a sensação de vitória.
Sentei e liguei pra minha casa, meu primo atendeu
-Alô?
-Dinho, sou eu. Cara, eu tô na grade!
E foi só isso que foi dito.
Fiquei sentada por um tempo e os roadies estavam lá, ajeitando o palco pro Los Hermanos.
E nessa espera pelo Los Hermanos que começou o problema: Gente desmaiando de cansaço.
Os bares ficavam MUITO à esquerda de onde o pessoal tava, e não, ninguém queria abrir mão do lugar pra ir comprar água. Ninguém queria sair dali pra continuar vivo.
Eis que aparece o "mr. nice guy", o carinha (chamava Bruno, eu acho) com 4 copos d'água e todos ali em volta, filando a água do cara. Mas era pouco diante da nossa sede.
"Cara, não dá pra ir lá comprar mais..."
Ofereceram dinheiro pro cara ir comprar água, mas não, ninguém sairia dali mesmo.

Aí uma solução foi vista no meio daquilo tudo: Os ambulantes entravam no meio do povo vendendo água. Mas nós estávamos na frente (hell yeah!) e quando o cara chegava lá, já não tinha mais água.

Depois de muito, eu disse muito, esperar, conseguimos comprar água.

Primeira etapa: Sucessfull.

E depois dessa espera, começava o show do Los Hermanos.

Muitos xingamentos, muitos “pedobear”, muito muita coisa.

Entre haters and lovers, os caras começaram a tocar.

Meio desafinados, meio desacostumados com o palco, o show foi bonitão. Como diria o Camelo.

“Volta Los Hermanos! Volta Los Hermanos!”

-Mas a gente tá aqui, pô!

Cher Antoine e Assim Será.

Show maravilhoso, era bom ver uma das melhores coisas que o Brasil tem ali, diante dos meus olhos de novo.

Fim do show.

Ânimos animadíssimos, estava chegando perto.

E entraram os roadies do Kraftwerk (que eram eles mesmos, sem o superuniforme, pelo menos foi essa a informação que eu li dias depois)

Alguns muito empolgados, outros prevendo uma catástrofe musical e etc.

Eu estava no meio termo: gostava muito da banda, mas nada aquilo era o que meus olhos queriam ver.

Eis que uma menina que se dizia fã do Kraftwerk começou a atrapalhar a noite que começava.

A menina tentou de, momentos antes do show dos tios, até o fim do show do radiohead furar meu olho. Tomar o meu lugar.

Mas mesmo com dores OBSCENAS, eu mantive minha pose de guardiã. E fiquei sim naquele empurra-empurra com ela por mais de três horas.

E começava o show do Kraftwerk.

Um show seco, mas bonito. Um dos telões mais bonitos que eu já pude presenciar, e um bando de tiozinhos (com exceção do último membro do grupo, um menino quase, apelidado de ‘mostroopaunacam’).

The Robots, Musique non stop, The Model, Man Machine (o man, machine, machine, machine, machine, machine, machine, maaaachine ainda tá na cabeça das pessoas) e Radioactivity.

O show foi bom. Ponto.

Quando as luzes se apagaram... Tinha chegado a hora.

Não, ainda não.

Os roadies do Radiohead estavam no palco.

E o cara das luzes (e que luzes) ajeitando a posição das mesmas, e os instrumentos sendo ligados, e o microfone sendo testado, e os pedais sendo ligados e estava tudo pronto pro que seria o meu renascimento.

As luzes se apagaram. E o coração finalmente se deu o luxo de disparar como pouquíssimas vezes disparou.

E uma musiquinha inconfundível pra mim – e pra mais alguns xiitas – começava.

Um cara gritou: Puta que pariu, o Kraftwerk voltou!

Um comediante ou um desinformado, vai saber.

E começou.

Os primeiros acordes (ou batidas eletrônicas magistralmente comandadas por ele, Jonny fucking Greenwood) de 15 step soavam, muito mais que só música, nos enormes amplificadores e nos nossos ouvidos.

E as luzes foram acendendo numa velocidade que só nos deixava mais ansiosos.

Quando, não mais que de repente, aparecem eles.

Ed O’brien na minha frente, Colin Greenwood empolgadíssimo, Phil sempre na dele, por detrás dos barulhos perfeitos que saem daquela bateria, Jonny concentradíssimo, como sempre. E ele, Mr Thom Yorke just arrived.

Entra no palco dançando (pra minha surpresa), e só o que se ouvia eram gritos e mais gritos.

Me esgoelei. Acho que nunca gritei tanto na vida, de verdade.

E a música foi crescendo, e crescendo

E ele começou a cantar.

E foi a sensação mais inexplicável da minha vida.

Cantei a todo pulmões aquelas frases.

“Did your string come undone? One by one, comes to us all, is it soft as your pillow?”

Não havia explicação, sério.

No fim da música, éramos só sorrisos. Nós e eles.

O ed e o Thom fascinados com aquilo.

E então Thom Yorke pegou sua Jaguar azul e branca. E meu coração disparou mais um pouco porque eu sabia bem o que viria: Airbag.

Esperei ansiosamente pro início da música e lá estava a confirmação: era ela.

E eu gritei com todo o meu coração – já não era mais com os pulmões, sério –

“In the next world war

Jackniffed Juggernaut

I am born again.”

E sorri, e lágrimas escorreram do meu rosto, e aquela frase

“I am born again” definia aquilo tudo.

Definiu o show inteiro, definiu a espera inteira.

Definiu quando eles tocaram I Might Be wrong e eu fiquei louca da boceta por isso, definiu quando tocaram House of Cards e tudo que eu mais queria era ter quem tava a mil km de mim ali, do meu lado.

Definiu quando cantei de olhos fechados “Rain down, rain down, come on, rain down on me”

E quando gritei “Off with his head, man, off with his head man”.

Definiu também quando no fim do show, eu já não agüentava ficar de pé e eles me presentearam com Reckoner.

Definiu quando vi Thom Yorke voltar a ser o Thom de 93, cantando “But i’m a creep, i’m a weirdo, what the hell am i doing here? I don’t belong here”.

Definiu, entre hipérboles e superlativos, o melhor dia da minha vida.

one day "goodbye" will be "farewell"

Always be careful when you abuse the one you love
The hour or the day no one can tell
But one day "goodbye" will be "farewell"
And you will never see the one you love again
You will never see the one you love again

I have been thinking ("What with?")
My final brain-cell
How Time grips you slyly in its spell
And, before you know, goodbye will be farewell
And you will never see the one you love again

And the smiling children tell you that you smell
Well, just look at me - a savage beast
I've got nothing to sell
And when I die I want to go to hell
And that's when goodbye should be farewell

Ta-ta, ta-ta, ta-ta-ta
Ta-ta, ta-ta, ta-ta-ta
Ta-ta, ta-ta, ta-ta-ta
Ta-ta, ta-ta, ta-ta-ta

One day "goodbye" will be "farewell"
So grab me while we still have the time.

'socorro, eu ainda sou o morrissey'

de qualquer forma, something is squeezing my skull.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

o que te sobra além das coisas casuais?

-Você demorou.
-Por que esse lugar?
-Não consegui pensar em outro.
-Hum.Você tá bem?
-Não sei. E você?
-Tô bem. 

(silêncio)

Ok, sejamos diretas. O que você quer falar de tão sério que não podia ser por telefone? E se for possível, seja rápida, não posso demorar.
-Não sei direito... Por favor, não vá embora. Eu sei que já faz tempo. Muito tempo. Mas eu precisava falar com você.
-Estou ouvindo.
-Você lembra da última vez que a gente se falou? Aquele janeiro?
-É claro.
-Lembra de tudo que foi dito naquele quarto?
-Aham.
-Lembra que eu não falei uma só palavra?
-Lembro.
-Pois então, eu te chamei aqui porque eu quero falar.
-Depois de dois anos? Isso é sério?
-Você acha que eu estou brincando?
-Eu espero que esteja. Por que isso é ridículo.
-Não é ridículo. Eu não quero nada, entende? Não quero nada de você. Só quero ser escutada.
-Mas eu não quero te ouvir. O tempo de falar, de usar a lei da reação já se foi.
-Por favor, eu juro que não vou tomar muito o seu tempo. Você quer uma cerveja? Eu juro que é o tempo de uma cerveja.
-Você sabe que eu não bebo cerveja.
-Era só pra te ouvir dizer que ainda lembra que eu nunca te ofereceria uma cerveja.
-Grande bosta. Me paga um vinho. Um vinho decente. Ou você continua pobre?
-Isso mudou também. Seco?
-Aham.

(pausa)

Não pretendo tomar mais de duas taças. Portanto, duas taças de vinho e alguns cigarros é o tempo que você tem.
-Tudo bem. Vou começar dizendo que eu venho pensando muito – na verdade todos os dias, em todas aquelas coisas que você me disse naquela noite. Na verdade, elas são latentes na minha cabeça, é impossível não pensar nelas. E eu venho pensando desde o dia que você pegou tuas coisas e foi embora, chorando porque eu não tinha falado nada, porque eu não tinha esboçado nenhum tipo de reação positiva ou negativa sobre tudo aquilo que você me disse. Por favor, olha pra mim.
-Pára de pedir por favor, pelo amor de Deus. Eu estou te ouvindo, isso não é suficiente?
-É, é suficiente. Então, onde eu estava? Ah. Eu andei pensando muito. E durante alguns meses – esses últimos, eu vi que não foi justo eu não ter falado nada. Não foi justo comigo e nem com você. Só que diante daquilo tudo que você me falou, o que eu pude te dar foi aquilo. O meu silêncio.
-E por quê?
-Por quê? Porque era o que eu podia dar, você não entende?
-Não. Não entendo.
-Eu só queria que você me entendesse. Entendesse o meu silêncio. Antes você entendia, não?
-É. Eu sempre entendi. Mas chega uma hora que cansa, sabe? Cansa ser o ombro amigo dos outros. Ninguém nunca tá ali pra ME dar a porra do ombro amigo. Então foda-se. Não entendo mais nada.
-Você sabe que a questão não é essa. Ninguém dá ombro amigo pra ouvir mentiras. E só o que você sabe fazer é mentir.
-Como você ousa dizer que ainda me conhece? Já faz tempo.
-Mas esse tipo de coisa não muda. Você vai sempre ser uma mentirosa.
-Foda-se. Eu não te perguntei nada.
-Tá vendo? Certas coisas nunca mudam, babe.
-Você quer ir direto ao ponto ou não?
-Tá. Eu vou. O que eu queria dizer é que eu não me arrependo.
-O que?
-Eu não me arrependo.
-Eu jogo mil coisas na tua cara, coisas duras pra mim, não pra você, há dois anos atrás e você me vem com a cara mais lavada do mundo pra dizer que não se arrepende?
-É.
-Então eu não tenho mais nada pra fazer aqui.
-Me ouve. Eu não me arrependo. Eu não tenho culpa se você mentiu quando disse que aceitava minhas merdas. O problema é todo teu. Eu não me arrependo. E nunca te chamaria aqui pra pedir desculpas ou qualquer coisa assim. Não seria eu.
-Eu devia ter imaginado, né? Eu não devia ter vindo.
-Mas veio. E isso deve significar alguma coisa ou o quê? Você veio olhar pra minha cara? Sentiu saudades?
-Saudade de você é uma coisa que eu não sinto há tempos. 
-Tem certeza?
-Não. Eu sinto sua falta, mas não é grave. A vida continuou, sabe? Você ficou pra trás, é isso.
-Você sabe que eu não fiquei pra trás.
-Você me chamou aqui pra falar por mim?
-Não. É que tá nos teus olhos.
-Não era você que dizia que meus olhos não diziam nada? Que eram tão dissimulados e mentirosos quanto eu?
-É, era eu. Mas isso tá fora do teu controle. Você não dissimula.
-Olha, meu vinho acabou e a minha paciência também. Tô indo embora. Até quando?
-Haverá um quando?
-Eu achava que não havia. E você me ligou. Então é possível que haja um quando.
-Eu te liguei porque eu precisava te dizer o que eu disse. Não preciso mais te falar nada.
-Ótimo. Se cuida, você tá horrível.
-E você está linda.
-O que é agora hein? Acha que só porque tem mais dinheiro, porque tem um português melhor e que tá mais bonitinha acha que vai me comer?
-Eu te comeria por ter um português melhor, mais dinheiro e mais beleza?
-Não. Teu corpo é uma das coisas que eu deixei de querer.
-Por quê? Por que não é preciso?
-Esquece isso, cara. Nossa fase de ‘quando júpiter encontrou saturno’ passou.
-Mas a gente tá aqui, não tá? Talvez o tempo de te ver no meu chá tenha passado.
-Tanto faz. Fica bem.
-Você quer que eu fique?
-Quero.
-Por quê?
-Porque eu cansei de te ver te enganando. Cansei de olhar pra essa tua cara surrada pela vida e ainda ver a criança assustada.
-Algumas coisas não mudam nunca.
-Pois é. Só se cuida. E não diz ‘eu me cuido sempre’ porque nós duas sabemos que é mentira.
-Tudo bem. Eu me cuido, então. Se cuida também. E não tenta mudar de número, ou de cidade de novo porque eu te encontro. Você sabe que eu te encontro.
-É, eu sei. Tá aqui o dinheiro da conta.
-Escuta. Me perdoa por não ter mudado?
-Que diferença faz?
-Eu só queria que.
-Eu te perdôo. Olha na minha cara, filha da puta. Esse é o teu perdão. Eu ter vindo aqui.
-Tudo bem. 
-Tchau.
-Tchau.

(pausa e quase fim)

-Ei.
-Que foi?
-Você lembra a última coisa que você me disse naquela noite?
-O que tem?
-Eu também te amo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

o descaso que condena

interromper
in.ter.rom.per

1 Fazer cessar por algum tempo;
2 Cortar ou romper a continuidade de;
3 Suspender;
4 Destruir, extinguir;
5 Cessar ou parar momentaneamente;
6 Deixar de fazer temporariamente;
7 Cortar, desligar (uma corrente de qualquer fluido);
8 Calar-se, falar de coisa diversa do que vinha dizendo, não continuar a fazer o que estava fazendo;
9 Cortar a palavra a;
10 Embaraçar, estorvar.


Em algum ponto muito além do permitido eu permaneci olhando o dicionário, varando a noite como se pudesse, como se fosse plausível.
Olhava aquele bando de palavras. De definições que não definiam nada. De explicações que confundiam, de adjetivos, de substantivos, de advérbios e todo lixo lindo da língua portuguesa.
Ali eu permanecia tentando encontrar algum sentido que não fosse tão vago naquelas palavras, tentando formar uma frase pra ligar pra ele e dizê-la.
Algo como: você não devia ter nos in.ter.rom.pi.do.
Mas eu não conseguia. Por mais que eu me esforçasse, por mais que eu lesse o maldito dicionário, fugia de mim. As palavras, os sentidos, tudo.
Ali eu ficava. Imaginando também.

Ele estava do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
Mas estava. E isso me dava uma sensação de companhia, uma sensação de ‘tudo bem, tudo bem’.
Mas não estava tudo bem.
Ele estar na mesma cidade que eu não me dizia nada. Não me era nada.
Eu tinha a sensação estranha de acreditar.
Acreditar que quando ele disse ‘me dá notícias suas, qualquer coisa me liga. Qualquer coisa mesmo’ 
Daquele jeito que ele sempre enfatizava o ‘mesmo’ final me dava a tal sensação de acreditar.
Mas era só uma sensação.
Porque eu não podia. God, eu não podia ligar e dizer ‘tô mal, vem aqui’.
Eu não podia dizer que sentia sua falta ou que precisava dele por mais um tempo, que nunca estive pronto para deixá-lo ir. Não podia.
Pensei em mentiras. ‘Você esqueceu seu suéter favorito aqui, aquele que compraste em Bogotá, vem buscar.’
Não podia. Ele não tinha um suéter favorito. Muito menos de Bogotá.
Eu não sabia o que fazer. Talvez só estivesse perdido e continuava a imaginar.

Ele está do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
Pensando em mim, quem dera.
Pensando em nós, pudera.
Pensando e só.
Era bom imaginar alguma coisa bem inverossímil do tipo: ele está mal, está com saudades, está pensando em mim, no nosso lar e em todas as coisas que nos envolvem.
Não, ele não está com um puto qualquer, daqueles que se arranjam em bares e esquinas.
Não, ele não está tendo um orgasmo agora, não está sendo chupado por um menino daqueles bem bonitinhos.
Não.
Ele está pensando em mim. Eu, com todos os meus defeitos físicos e mentais, com todos os meus pêlos que o irritavam, com meus medos e minhas dúvidas homéricas, todo aquele lixo que fazia parte de mim o encantava.
Cada detalhe meu, do mais nojento ao mais nobre o encantava.
Era bom imaginar isso.
Era bom imaginar que ele agora estivesse pensando em mim e nos meus insuportáveis defeitos.
Porque ele me ama, certo?
Por favor, diga que ele me ama e que tudo isso não é imaginação minha, que ele realmente está pensando em mim agora.

Ele está do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
Pensando nas minhas inúmeras qualidades.
Na minha postura centrada, nos meus discursos políticos, no meu gosto musical impecável, na minha seleção natural, em tudo aquilo que o encantava cada vez mais.
Eu era perfeito pra ele.
Eu tinha tudo que ele precisava.
Mas essa parte é invenção minha também.

Ele está do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
Com alguém mais bonito que eu, mais rico e mais interessante que eu.
Ele está em braços mais magros que os meus, mas ainda assim mais macios que os meus.
Ele está em alguma cama mais confortável que a nossa, com lençóis mais brancos que os nossos.
Ele está com gostos diferentes na boca: de vodka, de cerveja, de rum, de cigarro, de diferentes bocas, de diferentes corpos.
Mas eu permaneço aqui, sozinho, na nossa cama dura, nos nossos lençóis amarelados e com o gosto dele se misturando com o gosto de uísque.

Ele está do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
E eu aqui, imaginando comportamentos.
Cagando pra minha vida dentro dessa casa que um dia teve ele, nessas horas.
Talvez agora ele estivesse indo embora da casa do menino bonitinho.
E estivesse atendendo o celular que não pára de tocar nunca.
Entrando no carro, ignorando a ligação e pensando em ligar pra mim.
Mas o telefone não tocou.

Ele está do outro lado da cidade, bêb...
E foi aí que o telefone tocou.

-Alô?
-Oi.
-Quem é?
Eu sabia quem era.
-Você sabe quem é.
E ele também sabia.
-Ah, oi.
-Não te passe por surpreso.
-Não reconheci tua voz, desculpe.
-Enfim, como está tudo por aí?
-Tudo o quê?
-Tudo, sabe lá. Você e tua vida.
-Eu vou muito bem. E minha vida também. E a tua, como vai?
Eu precisava mentir, não queria que ele desligasse ao se deparar com minha tamanha falta dele.
-Eu vou do jeito que der pra ir, você sabe.
-Hum.
-Certeza que você tá tão bem assim?
-... Sim.
-Sei. Então, era só isso.
-Era só pra saber como tá tudo?
-Por aí. Tenho que ir viu. Acordo cedo amanhã, dia longo. Espero que você fique bem de verdade e que não minta pra mim na próxima vez em que eu ligar. Um beijo pra você.
Só consegui responder ‘outro beijo’.

E ele desligou.
Estava do outro lado da cidade, bêbado, cheirado, tanto faz.
Em casa, de pijama e por algum tempo, pensando em mim, a ponto de me ligar pra saber ‘como tá tudo’.
Peguei o dicionário, pus na gaveta e pensei que, felizmente, essa parte eu não tinha inventado.