sábado, 2 de janeiro de 2010

todos os verbos

Errar é útil
Sofrer é chato
Chorar é triste
Sorrir é rápido
Não ver é fácil
Trair é tátil
Olhar é móvel
Falar é mágico
Calar é tático
Desfazer é árduo
Esperar é sábio
Refazer é ótimo
Amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo
Abraçar é quente
Beijar é chama
Pensar é ser humano
Fantasiar também
Nascer é dar partida
Viver é ser alguém
Saudade é despedida
Morrer um dia vem
Mas amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo.

Zélia Duncan

parte 3

-Eu sou leal, pelo menos.
-E você acha o que? Que eu devo agradecer?
-Não acho. Só acho que você deveria de convir que a maioria prefere esconder.
-Sua lealdade não me vale de nada.
-Você quer fidelidade, então? Porque se quiser, pode esquecer.
-É claro que eu quero. Mas eu desisti de querer isso de você faz tempo...
-Cara, põe na tua cabeça que desejar a mesma pessoa por anos – cinco? – é impossível.
-Não é impossível.
-Estamos falando de desejo e não de atos. Vai me dizer que você nunca quis ninguém além de mim?
-É claro que eu quis. Mas fidelidade de pensamentos já é doença. Eu falo de atos. É essa a nossa diferença fundamental.
-Essa nossa “diferença fundamental” só existe porque você é carente e insegura. Você não pratica os seus desejos porque tem medo.
-Agora você aponta o dedo?
-Aponto sim. Você apontou primeiro e eu tô cansada de ser a vilã.
-Ninguém tá te chamando de vilã. Eu só acho ridículo. Se não consegue ser fiel, não namora, é simples.
-Mas eu te amo e gosto de ficar com você.
-Ficar comigo e com muitas outras e isso, infelizmente, não me vale de nada.
-Eu agüentei cinco anos, cara. Mil oitocentos e vinte e cinco dias só beijando sua boca.
-E você quer um prêmio?
-Eu só queria que você reconhecesse.
-Eu reconheço, sei que é difícil pra você. Só que eu sou do tempo em que ser honesta era obrigação e não qualidade.
-Não. Você é do tempo em que trair é ser filho da puta. E eu nunca te enganei, não me chama de desonesta.
-A partir do momento em que você começou a namorar comigo, você jurou coisas.
-Que coisas eu jurei?
-São juramentos subentendidos.
-Você diz os laços?
-Acho que sim.
-Os laços são controversos, meu amor. Os mesmos laços que nos une, são os laços que eventualmente podem nos destruir.
-Eu só queria que.
-O que? Que eu só te desejasse pro resto da vida? Pára de ser criança, cara.
-Eu não aceito, cara. Só isso. Não usa de argumentos “eu sou humana”, porque eu posso usar os mesmos... Eu sou humana.
-Somos humanos diferentes. Não acho absurdo ser infiel. Eu tenho vontades e exerço-as. Diferente de você, que fica com medinho da rejeição e daí prefere se obrigar a só me desejar.
-Você não vai jogar isso pra cima de mim. Se o que você fez te pesa, o problema é seu, carregue o peso sozinha. Eu quero terminar.
-Tudo bem, que a gente termine então. Só não se arrepende disso e me ligue daqui a cinco dias pedindo pra voltar, porque eu não vou voltar.
-Se eu quisesse você aqui, não estaria terminando.
-Meu recado já foi dado. E pra você, só desejo que você se torne um pouco menos insuportável em 2010, e que seja feliz com outra pessoa.
-Eu queria ter sido feliz com você. Aliás, eu fui.
-Parou de ser porque eu dormi com outra pessoa? Seu amor é exemplar.
-Não começa a confundir as coisas.
-Se você não é mais feliz, é porque não me ama mais. Eu sou simples, lembra?
-Talvez eu nem te ame mais mesmo, talvez o que tenha sobrado tenha sido o nojo.
-Aja como quiser comigo, não vai me atingir. Minha consciência tá limpa.
-A minha também.
-Sabe a melhor parte disso? Daqui a uns dias você vai refletir e vai ver a merda que tá fazendo. Só que vai ser tarde demais, porque eu cansei.
-Eu não duvido que eu vá refletir e me arrepender. Mas há males que vem para o bem. Eu vivi a maior parte consciente da minha vida sem você.
-Se esse argumento te conforta...
-Conforta. E vou usar dele pra te esquecer.
-Você não vai conseguir. Assim como eu também não vou. O ponto é que vou lembrar de você com raiva.
-E eu de você, com nojo.
-Então o que nós tivemos acaba resumindo-se em raiva e nojo?
-Eu nunca vi diferente.
-É, você sabia que uma hora ou outra eu ia chutar tudo isso.
-Eu sempre soube.
-Eu nunca menti pra você, cara. Não me condena por isso. Sempre fui leal e por um bom tempo, fiel. Sempre foi prazeroso viver com você. E mais: eu te amei com todos os meus órgãos, todos os dias.
-E você acha o que? Que eu devo agradecer?