terça-feira, 16 de junho de 2009

uma história não muito boa.

Meu nome é Iracema, tenho 43 anos e nunca fui casada.
Tenho um filho do único namorado de que tive na vida, que chamava Alberto.
Minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos. Morreu de tuberculose.
Sou filha única, meu pai vive num asilo em Petrópolis e nem sequer sabe o meu nome.
Quando o visito, uma vez por mês, ele me trata como uma amiga advinhona que sabe que a fruta favorita dele é laranja. E que bem, leva sempre muitas laranjas pra ele.
Não tenho amigos, nunca tive até vir pra cá. Exceto aos 13 anos, que foi quando meu pai me deu uma gata chamada Iracema.
Ela era linda. Branca dos olhos amarelados.
Mas ela morreu.
Ela contraiu uma doença que os machucados que ela tinha na pele se multiplicavam pelo corpo todo... Câncer de gato.
Ela dormia comigo, tomava café comigo, estudava comigo... Só que quando os machucados ficavam muito feios, minha mãe não a deixava dormir comigo.
Quando meu pai disse que a levaria pra ficar bem de novo, eu fiquei feliz. Mesmo que ela nunca tenha voltado.
Meu pai disse que ela morreu de felicidade, porque se curou dos machucados. E desde então eu sempre digo que quero morrer de felicidade, deve ser bom.
A idéia de meu pai era pôr o meu nome na gata pra ver se assim eu passava a gostar dele, do meu nome, porque meu pai eu adorava.
Funcionou por um tempo.
Não gosto dos Beatles e nem dos Rolling Stones... Eu gosto mesmo é do Creedence.
De cinema eu gosto. Gosto daquele cara lá... Pasolini.
Meu pai fazia sessões de cinema quando eu era mais nova.
Todos os sábados, pontualmente às três da tarde, ele me chamava pra assistir filmes.
Nunca filmes infantis.
Eu estranhei nas primeiras vezes, mas depois adorava, mesmo não entendendo o filme.
Não entendia sequer o título. Eram todos em outras línguas.
Eu só gostava de Accattone porque parecia Panetone.
Eu gosto de fotografia em preto e branco e de dias de sol.
Às sextas feiras, eles me trazem aquela revista, Superinteressante pra ler. Eu adoro.
Na sexta passada, me trouxeram uma que na capa dizia: O google sabe tudo sobre nós.
Mas eu não sei o que é google.
Quando minha mãe morreu, eles me trouxeram pra cá. Mas eu já tinha 18 anos.
Essa parte eu não posso contar porque eu não lembro.
Aos 19, eu fui morar com o meu pai numa casa no Rio de janeiro.
A gente morava pertinho da praia e meu pai sempre me levava pra ver o céu de manhã.
Foi aí que eu comecei a amar o sol.
O sol me remete a felicidade, e eu gosto da felicidade.
Eu gosto de arroz com tomate e coca-cola.
Meu filho chama Doug por causa do Doug Clifford, do Creedence.
Ele tem 20 anos e na última carta que me mandou – com foto e tudo – ele me conta que acabou de entrar pra Universidade.
Engenharia geotécnica é o que ele faz. Nome bonito, ele diz que mexe com o solo.
Quando eu tinha 22 anos e ainda morava com o meu pai, eu conheci o Alberto.
Moço bonito, mas não tinha barba.
Ele era filho de um grande amigo do meu pai chamado Jorge.
Começamos a namorar duas semanas depois que nos conhecemos... Eu relutei, moço pra me namorar tinha que ter barba, assim como os Creedence.
Mas ele deixou a barba crescer por mim, depois disso eu comecei a gostar dele.
Eu engravidei sete meses depois e aí ele foi embora pros Estados Unidos da América pra ganhar dinheiro suficiente pra sustentar nosso Doug.
Meu pai ia todo dia 15 buscar o dinheiro que Alberto mandava dos Estados Unidos da América.
Ele costumava demorar porque tinha muita fila pra trocar a dólar por dinheiro brasileiro.
Quando Doug fez três anos dizem que eu enlouqueci.
E eu sempre achei isso muito engraçado... Porque os loucos são aqueles que usam camisa de força, não é?
Eu nunca usei.
Me trouxeram pra cá e aí pegaram meu Doug. A dona Elizete. Mãe do Alberto e mulher de Jorge.
E desde então é aqui que eu vivo.
É um lugar muito legal.
Todo dia de manhã eu vou tomar vento no jardim e eles me dão papel e caneta porque eu gosto muito de escrever.
De tarde eu almoço e assisto filmes.
Ontem eu assisti Silent movie. Filme de infância quase.
De noite eu tomo banho e janto e às 7 vou dormir.
No último domingo de cada mês é quando eu vejo meu pai.
Aí eu compro laranjas e levo pra ele.
Eu gostaria muito de levar meus cadernos pro meu quarto, mas eles não deixam.
Todos os dias quando beira o meio dia, a dona Roberta pega meu caderno e leva pro Seu Luis. A gente o chama de O poderoso chefão.
E às vezes eles me levam pra um lugar onde tem muitas pessoas.
Eu sempre pergunto por que e a dona Roberta me diz que é porque eu estou melhorando.
Eu não sei em que eu melhoro. Acho que é na escrita.
Lá eu conheço um monte de gente, mas ninguém é meu amigo.
Tem uma moça chamada Dorothy.
Ela morava em um lugar chamado Oz antes de vir pra cá.
Eu acho esse nome muito engraçado... Oz.
Eu converso com ela às vezes e ela me disse que na próxima vez em que eu for lá, ela vai me dar o endereço de um moço que faz a gente feliz.
No meu aniversário, eles me dão bolo e um suéter.
Eu tenho 18 suéteres. Um de cada cor.
O meu favorito é o verde.

Lá vem a dona Roberta. Já são meio dia e eu preciso entregar o meu caderno pro Seu Luis ver.
Eu acho que vou pro lugar com muitas pessoas hoje...
Se tudo der certo, eu vou encontrar o moço que faz a gente feliz essa semana.
O céu está lindo e quando consigo olhar pro sol, eu sempre pergunto: Have you ever seen the rain?
Mas ele nunca responde.

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