domingo, 31 de maio de 2009

quando tudo fez sentido.


É sempre muito difícil falar das sensações que eu tenho diante das coisas.
Na verdade, nem de longe, eu sei falar delas.
Mas nesse caso - especialíssimo - eu vou tentar.
Entre hipérboles e superlativos, eu digo: se existe algum tipo de coisa que se aproxime do divino, esta coisa é estar no meio de uma multidão, com dores em quase todo o corpo, sem água, sem comida, sem cigarro (eu mal conseguia respirar, fumar nessas condições é pedir pra conhecer o divino logo) e mesmo assim, estar feliz. Alcançar o nirvana, you know?

Nesse dia - 20 de março de 2009 - eu acordei às sete e meia.
Não, vamos falar de um dia antes.
Dia 19 de março de 2009 eu fui dormir levando comigo uma euforia que eu só tinha visto algumas vezes na vida.
(quando minha mãe aparecia, quando eu beijei pela primeira vez, quando eu voltava do colégio, no carnaval de 2009...)
E então, depois de prometer dormir cedo, eis que dormi sei lá, mais próxima das cinco do que da meia-noite.
E eis que acordei às sete e meia do dia vinte de março. Decididíssima.
"Vou levantar, tomar banho, ajeitar o que há pra ser ajeitado e sair daqui às oito."
Ledo engano.
Saí de casa às onze, quase doze. Quando cheguei na Central já eram quase duas. Damn, pensei.
Perguntando aqui e ali "onde fica a praça da apoteose?"
E as pessoas diziam: "tá vendo o balança-mas-não-cai? Depois."
Eu não estava vendo, mas fui.
E fui ouvindo "I might be wrong" uma das que eu rezei pra tocar além dos meus fones.
Logo, depois, tocava "Knives out", outra que eu desejava ouvir em alta escala também.
E uma cena que eu jamais esqueço é esta: eu andando com um sorriso bobo na cara por uma das calçadas da central, balançando a cabeça ao som de knives out, como se os pivetes não existissem, como se o sol não existisse ("o sol nunca mais vai se pôr", penso), como se o trânsito apressado não existisse.
Cheguei na rua da tal apoteose e lá tinha uma fila exponencial.
Pensei: Fodeu, vou assistir o show dos portões.
E esse pensamento permaneceu até muito depois das duas, que era a hora em que eu cheguei lá.
Fui pro rabo da fila, fazendo curva no muro de grades da apoteose, uma coisa assustadora.
Sentei na calçada e lá havia um casal de mineiros, sorridentes, dizendo: É aqui o final sim.
Pois então, sentei, aumentei o volume do mp3 player (advinha que o tocava?), parei um ambulante pra comprar umas cervejas, acendi uns cigarros, quando uma meia hora depois, a fila anda. E não obstante, o coração dispara.
"Mas nem três são ainda!" Exclamam.
Alarme falso.
Pensei: No surprises, please.
E aquele momento de extrema ansiedade se estendeu até quase cinco.
Pus a ansiedade de lado pra falar ao telefone, não queria que fosse um telefone que nos unisse ali, queria ela de carne e osso, pra complementar aquilo que sim - meses antes - eu já sabia que seria a coisa mais extraordinária que me aconteceria.
Por fim, o telefonema acabou e um tempo depois uma correria estranha começava nos portões.
Gente saindo da fila pra correr dos lados e eu sem saber o que fazer.
Segui o fluxo, saí da fila pra correr e entrei nos portões junto com todas aquelas pessoas correndo como se fossem ver algo divino.
Eis que me deparo com uma pista, um corredor, um sambódromo de muitos km de extensão.
E nele, três barreiras. Três barreiras pro palco. Estava chegando a hora.
E naquela euforia louca, fomos parados por uma das barreiras e o segurança dizendo: "Se tiver bagunça eu não vou abrir!"
E nós parecíamos um bando de hienas, ou de leões atrás da presa, nada nos parava ali.
Eis que depois de muita conversa (e muito xingamento da nossa parte para com os seguranças), eles resolveram abrir.
E lá fomos nós correndo atrás do divino novamente, e lá fomos parados novamente.
"Identidades e ingressos na mão!" Gritaram.
Eram as catracas. Mais aquela barreira e o palco era nosso.
Muito empurra-empurra, eu achei um espaço pra passar na frente de todo mundo. E passei.
Logo depois, a revista. Pensei: "caralho, vou ficar sem câmera"
A segurança apertando minha bolsa, e perguntou: Tem algo de comer aqui?
E eu disse: Sim.
E dei o maldito (ou bendito) clube social que eu havia levado pra comer na fila, ou no show, e dei pra ela.
Melhor ficar sem comida do que sem câmera. A escolha mais estranha que já fiz na vida.
E eis a outra correria. A pior, diria.
Gente caindo, sendo pisoteada, zoada, e etc.
Nessa hora tenho certeza que todos os 'lentos' pensaram: Maldita aula de educação física que eu fui faltar!
Mas eu fui persistente. Mesmo com os muitos kg a mais, corri feito louca.
Corrida mais que válida, fiquei na 'segunda grade'.
Cheguei lá, entre o lado esquerdo e o centro do palco e abri um sorriso.
Era a sensação de vitória.
Sentei e liguei pra minha casa, meu primo atendeu
-Alô?
-Dinho, sou eu. Cara, eu tô na grade!
E foi só isso que foi dito.
Fiquei sentada por um tempo e os roadies estavam lá, ajeitando o palco pro Los Hermanos.
E nessa espera pelo Los Hermanos que começou o problema: Gente desmaiando de cansaço.
Os bares ficavam MUITO à esquerda de onde o pessoal tava, e não, ninguém queria abrir mão do lugar pra ir comprar água. Ninguém queria sair dali pra continuar vivo.
Eis que aparece o "mr. nice guy", o carinha (chamava Bruno, eu acho) com 4 copos d'água e todos ali em volta, filando a água do cara. Mas era pouco diante da nossa sede.
"Cara, não dá pra ir lá comprar mais..."
Ofereceram dinheiro pro cara ir comprar água, mas não, ninguém sairia dali mesmo.

Aí uma solução foi vista no meio daquilo tudo: Os ambulantes entravam no meio do povo vendendo água. Mas nós estávamos na frente (hell yeah!) e quando o cara chegava lá, já não tinha mais água.

Depois de muito, eu disse muito, esperar, conseguimos comprar água.

Primeira etapa: Sucessfull.

E depois dessa espera, começava o show do Los Hermanos.

Muitos xingamentos, muitos “pedobear”, muito muita coisa.

Entre haters and lovers, os caras começaram a tocar.

Meio desafinados, meio desacostumados com o palco, o show foi bonitão. Como diria o Camelo.

“Volta Los Hermanos! Volta Los Hermanos!”

-Mas a gente tá aqui, pô!

Cher Antoine e Assim Será.

Show maravilhoso, era bom ver uma das melhores coisas que o Brasil tem ali, diante dos meus olhos de novo.

Fim do show.

Ânimos animadíssimos, estava chegando perto.

E entraram os roadies do Kraftwerk (que eram eles mesmos, sem o superuniforme, pelo menos foi essa a informação que eu li dias depois)

Alguns muito empolgados, outros prevendo uma catástrofe musical e etc.

Eu estava no meio termo: gostava muito da banda, mas nada aquilo era o que meus olhos queriam ver.

Eis que uma menina que se dizia fã do Kraftwerk começou a atrapalhar a noite que começava.

A menina tentou de, momentos antes do show dos tios, até o fim do show do radiohead furar meu olho. Tomar o meu lugar.

Mas mesmo com dores OBSCENAS, eu mantive minha pose de guardiã. E fiquei sim naquele empurra-empurra com ela por mais de três horas.

E começava o show do Kraftwerk.

Um show seco, mas bonito. Um dos telões mais bonitos que eu já pude presenciar, e um bando de tiozinhos (com exceção do último membro do grupo, um menino quase, apelidado de ‘mostroopaunacam’).

The Robots, Musique non stop, The Model, Man Machine (o man, machine, machine, machine, machine, machine, machine, maaaachine ainda tá na cabeça das pessoas) e Radioactivity.

O show foi bom. Ponto.

Quando as luzes se apagaram... Tinha chegado a hora.

Não, ainda não.

Os roadies do Radiohead estavam no palco.

E o cara das luzes (e que luzes) ajeitando a posição das mesmas, e os instrumentos sendo ligados, e o microfone sendo testado, e os pedais sendo ligados e estava tudo pronto pro que seria o meu renascimento.

As luzes se apagaram. E o coração finalmente se deu o luxo de disparar como pouquíssimas vezes disparou.

E uma musiquinha inconfundível pra mim – e pra mais alguns xiitas – começava.

Um cara gritou: Puta que pariu, o Kraftwerk voltou!

Um comediante ou um desinformado, vai saber.

E começou.

Os primeiros acordes (ou batidas eletrônicas magistralmente comandadas por ele, Jonny fucking Greenwood) de 15 step soavam, muito mais que só música, nos enormes amplificadores e nos nossos ouvidos.

E as luzes foram acendendo numa velocidade que só nos deixava mais ansiosos.

Quando, não mais que de repente, aparecem eles.

Ed O’brien na minha frente, Colin Greenwood empolgadíssimo, Phil sempre na dele, por detrás dos barulhos perfeitos que saem daquela bateria, Jonny concentradíssimo, como sempre. E ele, Mr Thom Yorke just arrived.

Entra no palco dançando (pra minha surpresa), e só o que se ouvia eram gritos e mais gritos.

Me esgoelei. Acho que nunca gritei tanto na vida, de verdade.

E a música foi crescendo, e crescendo

E ele começou a cantar.

E foi a sensação mais inexplicável da minha vida.

Cantei a todo pulmões aquelas frases.

“Did your string come undone? One by one, comes to us all, is it soft as your pillow?”

Não havia explicação, sério.

No fim da música, éramos só sorrisos. Nós e eles.

O ed e o Thom fascinados com aquilo.

E então Thom Yorke pegou sua Jaguar azul e branca. E meu coração disparou mais um pouco porque eu sabia bem o que viria: Airbag.

Esperei ansiosamente pro início da música e lá estava a confirmação: era ela.

E eu gritei com todo o meu coração – já não era mais com os pulmões, sério –

“In the next world war

Jackniffed Juggernaut

I am born again.”

E sorri, e lágrimas escorreram do meu rosto, e aquela frase

“I am born again” definia aquilo tudo.

Definiu o show inteiro, definiu a espera inteira.

Definiu quando eles tocaram I Might Be wrong e eu fiquei louca da boceta por isso, definiu quando tocaram House of Cards e tudo que eu mais queria era ter quem tava a mil km de mim ali, do meu lado.

Definiu quando cantei de olhos fechados “Rain down, rain down, come on, rain down on me”

E quando gritei “Off with his head, man, off with his head man”.

Definiu também quando no fim do show, eu já não agüentava ficar de pé e eles me presentearam com Reckoner.

Definiu quando vi Thom Yorke voltar a ser o Thom de 93, cantando “But i’m a creep, i’m a weirdo, what the hell am i doing here? I don’t belong here”.

Definiu, entre hipérboles e superlativos, o melhor dia da minha vida.

Um comentário:

maria louca disse...

o mais lindo de tudo isso foi te ver (depois de dois dias quase inteiros sem dormir, cinco horas de viagem, uma rodoviária, um metrô, outra rodoviária, mais cinco horas de viagem, outra rodoviária, uma madrugada e alguns minutos esperando) repousar frouxa, farta, murcha, morta de cansaço. =/