sexta-feira, 22 de maio de 2009

o que te sobra além das coisas casuais?

-Você demorou.
-Por que esse lugar?
-Não consegui pensar em outro.
-Hum.Você tá bem?
-Não sei. E você?
-Tô bem. 

(silêncio)

Ok, sejamos diretas. O que você quer falar de tão sério que não podia ser por telefone? E se for possível, seja rápida, não posso demorar.
-Não sei direito... Por favor, não vá embora. Eu sei que já faz tempo. Muito tempo. Mas eu precisava falar com você.
-Estou ouvindo.
-Você lembra da última vez que a gente se falou? Aquele janeiro?
-É claro.
-Lembra de tudo que foi dito naquele quarto?
-Aham.
-Lembra que eu não falei uma só palavra?
-Lembro.
-Pois então, eu te chamei aqui porque eu quero falar.
-Depois de dois anos? Isso é sério?
-Você acha que eu estou brincando?
-Eu espero que esteja. Por que isso é ridículo.
-Não é ridículo. Eu não quero nada, entende? Não quero nada de você. Só quero ser escutada.
-Mas eu não quero te ouvir. O tempo de falar, de usar a lei da reação já se foi.
-Por favor, eu juro que não vou tomar muito o seu tempo. Você quer uma cerveja? Eu juro que é o tempo de uma cerveja.
-Você sabe que eu não bebo cerveja.
-Era só pra te ouvir dizer que ainda lembra que eu nunca te ofereceria uma cerveja.
-Grande bosta. Me paga um vinho. Um vinho decente. Ou você continua pobre?
-Isso mudou também. Seco?
-Aham.

(pausa)

Não pretendo tomar mais de duas taças. Portanto, duas taças de vinho e alguns cigarros é o tempo que você tem.
-Tudo bem. Vou começar dizendo que eu venho pensando muito – na verdade todos os dias, em todas aquelas coisas que você me disse naquela noite. Na verdade, elas são latentes na minha cabeça, é impossível não pensar nelas. E eu venho pensando desde o dia que você pegou tuas coisas e foi embora, chorando porque eu não tinha falado nada, porque eu não tinha esboçado nenhum tipo de reação positiva ou negativa sobre tudo aquilo que você me disse. Por favor, olha pra mim.
-Pára de pedir por favor, pelo amor de Deus. Eu estou te ouvindo, isso não é suficiente?
-É, é suficiente. Então, onde eu estava? Ah. Eu andei pensando muito. E durante alguns meses – esses últimos, eu vi que não foi justo eu não ter falado nada. Não foi justo comigo e nem com você. Só que diante daquilo tudo que você me falou, o que eu pude te dar foi aquilo. O meu silêncio.
-E por quê?
-Por quê? Porque era o que eu podia dar, você não entende?
-Não. Não entendo.
-Eu só queria que você me entendesse. Entendesse o meu silêncio. Antes você entendia, não?
-É. Eu sempre entendi. Mas chega uma hora que cansa, sabe? Cansa ser o ombro amigo dos outros. Ninguém nunca tá ali pra ME dar a porra do ombro amigo. Então foda-se. Não entendo mais nada.
-Você sabe que a questão não é essa. Ninguém dá ombro amigo pra ouvir mentiras. E só o que você sabe fazer é mentir.
-Como você ousa dizer que ainda me conhece? Já faz tempo.
-Mas esse tipo de coisa não muda. Você vai sempre ser uma mentirosa.
-Foda-se. Eu não te perguntei nada.
-Tá vendo? Certas coisas nunca mudam, babe.
-Você quer ir direto ao ponto ou não?
-Tá. Eu vou. O que eu queria dizer é que eu não me arrependo.
-O que?
-Eu não me arrependo.
-Eu jogo mil coisas na tua cara, coisas duras pra mim, não pra você, há dois anos atrás e você me vem com a cara mais lavada do mundo pra dizer que não se arrepende?
-É.
-Então eu não tenho mais nada pra fazer aqui.
-Me ouve. Eu não me arrependo. Eu não tenho culpa se você mentiu quando disse que aceitava minhas merdas. O problema é todo teu. Eu não me arrependo. E nunca te chamaria aqui pra pedir desculpas ou qualquer coisa assim. Não seria eu.
-Eu devia ter imaginado, né? Eu não devia ter vindo.
-Mas veio. E isso deve significar alguma coisa ou o quê? Você veio olhar pra minha cara? Sentiu saudades?
-Saudade de você é uma coisa que eu não sinto há tempos. 
-Tem certeza?
-Não. Eu sinto sua falta, mas não é grave. A vida continuou, sabe? Você ficou pra trás, é isso.
-Você sabe que eu não fiquei pra trás.
-Você me chamou aqui pra falar por mim?
-Não. É que tá nos teus olhos.
-Não era você que dizia que meus olhos não diziam nada? Que eram tão dissimulados e mentirosos quanto eu?
-É, era eu. Mas isso tá fora do teu controle. Você não dissimula.
-Olha, meu vinho acabou e a minha paciência também. Tô indo embora. Até quando?
-Haverá um quando?
-Eu achava que não havia. E você me ligou. Então é possível que haja um quando.
-Eu te liguei porque eu precisava te dizer o que eu disse. Não preciso mais te falar nada.
-Ótimo. Se cuida, você tá horrível.
-E você está linda.
-O que é agora hein? Acha que só porque tem mais dinheiro, porque tem um português melhor e que tá mais bonitinha acha que vai me comer?
-Eu te comeria por ter um português melhor, mais dinheiro e mais beleza?
-Não. Teu corpo é uma das coisas que eu deixei de querer.
-Por quê? Por que não é preciso?
-Esquece isso, cara. Nossa fase de ‘quando júpiter encontrou saturno’ passou.
-Mas a gente tá aqui, não tá? Talvez o tempo de te ver no meu chá tenha passado.
-Tanto faz. Fica bem.
-Você quer que eu fique?
-Quero.
-Por quê?
-Porque eu cansei de te ver te enganando. Cansei de olhar pra essa tua cara surrada pela vida e ainda ver a criança assustada.
-Algumas coisas não mudam nunca.
-Pois é. Só se cuida. E não diz ‘eu me cuido sempre’ porque nós duas sabemos que é mentira.
-Tudo bem. Eu me cuido, então. Se cuida também. E não tenta mudar de número, ou de cidade de novo porque eu te encontro. Você sabe que eu te encontro.
-É, eu sei. Tá aqui o dinheiro da conta.
-Escuta. Me perdoa por não ter mudado?
-Que diferença faz?
-Eu só queria que.
-Eu te perdôo. Olha na minha cara, filha da puta. Esse é o teu perdão. Eu ter vindo aqui.
-Tudo bem. 
-Tchau.
-Tchau.

(pausa e quase fim)

-Ei.
-Que foi?
-Você lembra a última coisa que você me disse naquela noite?
-O que tem?
-Eu também te amo.

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